Título: Petista atuou nos bastidores do governo
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 16/07/2008, Brasil, p. A6

O advogado Luiz Eduardo Greenhalgh atuou nos bastidores do governo para selar o acordo entre o banqueiro Daniel Dantas, o Citibank, os fundos de pensão e - já no final - a Oi, na fusão que terminou com a criação de uma supertele. Havia grande desconfiança no Palácio do Planalto e nos fundos de pensão em relação às reais intenções de Dantas, removidas por Greenhalgh ao longo de cerca um ano de trabalho, o tempo que durou sua relação profissional com o dono do Opportunity.

Esse período foi monitorado pela Operação Satiagraha, da Polícia Federal, e levou o delegado Protógenes Queiroz a dizer que Greenhalgh era a pessoa encarregada dos ilícitos, dentro do Palácio do Planalto, de uma suposta quadrilha, chefiada por Dantas para a prática de crimes financeiros. Como prova, apresentou trechos de um diálogo mantido entre LEG, como o advogado é conhecido entre amigos, e o chefe de gabinete da presidência da República, Gilberto Carvalho. A prisão, pedida pela PF, foi recusada pela Justiça.

Greenhalgh evita conversar sobre a Operação Satiagraha, mas lamenta ter envolvido Gilberto Carvalho, um amigo de mais de 30 anos, ao procurá-lo atrás de informações de uma suposta operação da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) contra um dos homens de Dantas. Segundo apurou o Valor, o advogado lamenta o constrangimento que causou a Carvalho e ao governo Luiz Inácio Lula da Silva, mas está certo de não ter cometido ilegalidades enquanto trabalhou para o banqueiro.

Advogado de Lula e da CUT, indicado pelo PT para acompanhar o caso do assassínio do prefeito Celso Daniel, às vésperas das eleições de 2002, Greenhalgh era a pessoa menos indicada para manter uma associação profissional com Dantas, banqueiro combatido pelo PT desde que o partido estava na oposição.

Os dois nem sequer se conheciam. Um dos candidatos a deputado mais votado em 2002, Greenhalgh não se reelegeu em 2006, o que atribuiu aos escândalos que atingiram o PT no governo, como o do mensalão e o dos aloprados. Por algum tempo foi cotado para assumir algum cargo no governo, mas acabou voltando à profissão que lhe projetou como um defensor dos direitos humanos (além dos presos políticos no regime militar, era advogado do MST).

Em março de 2007 ele encontrou um amigo que colaborara com sua campanha a presidente da Câmara, em 2005, o publicitário Guilherme Sodré, cuja agência tem escritórios em Salvador, São Paulo e Brasília. Foi o publicitário quem sondou Greenhalgh a pedido de Dantas. O encontro entre o banqueiro e o advogado se deu na semana seguinte, no Rio.

Sempre em movimento, dando voltas em torno da mesa, Dantas disse que estava havia cinco anos no negócio, e já ocupava o centro da maior disputa societária do capitalismo brasileiro, o que ocupava 88% de seu tempo. Ele queria sair do negócio, vender as ações da Telemar, Telemig e da Brasil Telecom, mas não era levado a sério.

Greenhalgh ainda ponderou que ele dispunha de uma boa equipe de direito, mas Dantas insistiu e, segundo um dos participantes da reunião - que incluiu outros diretores do Opportunity - contou ao Valor, disse que precisava de um advogado que tivesse "compreensão política" de todo o processo. A afirmação não causou estranheza entre os presentes, que o consideram "gênio das finança, mas desastre da política".

A intenção de Dantas era vender seu lote de ações, mas continuar a guerra societária na Justiça. Nesta mesma reunião, Greenhalgh fez seu primeiro aconselhamento ao banqueiro: se ele queria um acordo e ser levado a sério, deveria propor que todas as partes retirassem as mais de 70 ações que moviam uma contra as outras. O banqueiro pareceu contrariado, mas concordou. O advogado começou a levantar os processos, junto com os outros defensores de Dantas, e analisar cada um deles.

Um trabalho que levou cerca de seis meses. Mas logo após a conversa no Rio, Greenhalgh teve um encontro com a ministra Dilma Rousseff. Ele havia deixado a Câmara e pedira uma conversa com a ministra. Tão logo entrou em seu gabinete, perguntou sobre a candidatura presidencial da ministra, que desconversou. Ela perguntou o que ele estava fazendo. Voltara a advogar, respondeu LEG, mas mudara a "base social" de clientela. Diante da curiosidade da ministra, contou que estava advogando para Daniel Dantas.

A ministra torceu o nariz. "Ele é encrenca", disse. Greenhalgh contou então que Dantas estava disposto a sair do ramo das telecomunicações. A ministra demonstrou descrença, mas ressalvou que, se essa fosse mesmo a disposição do banqueiro, isso facilitaria a criação da supertele, a Brt-Oi. Segundo um outro ministro contou ao Valor, o governo de fato torcia pela terceira gigante no setor das telecomunicações, que corria o risco de acabar num duopólio. "Era uma fusão do interesse da população", disse esse ministro.

Dilma recomendou que Greenhalgh fosse falar com Sérgio Rosa, presidente do fundo de pensão dos funcionários do Banco do Brasil, a Previ, sócia da Dantas. Foi recebido com um descrédito ainda maior sobre as intenções de Daniel Dantas, que em outras ocasiões teria proposto acordos sobre os quais depois voltava atrás. "Canalha" foi uma das expressões mais suaves que ecoaram na sala da presidência da Previ. Mas Rosa, convencido por Greenhalgh, resolveu ir adiante.

Quando fazia quase seis meses que Greenhalgh trabalhava no caso, Dantas chamou-o para uma conversa: eles ainda não haviam assinado um contrato de prestação de serviços. O banqueiro queria regularizar a situação, para que o advogado depois não fosse acusado de estar fazendo lobby no governo, segundo contou a um funcionário. Valor do contrato: R$ 50 mil ao mês.

Em fevereiro, Carnaval no Brasil e audiência numa corte americana para um acordo entre Dantas e o Citibank. A notícia que chegou ao Brasil fora que Dantas recusara a assinar o acordo. No encontro seguinte de Greenhalgh com Sérgio Rosa - foram mais de seis audiências formais -, o presidente da Previ recebeu o advogado com o clássico "Eu não te disse que não dá para confiar nesse canalha"? Sugeriu que LEG estava sendo ingênuo.

Mas LEG estava com a transcrição da audiência nos EUA. Um dos trechos era claro: o Citi concordava com o acordo, mas se recusava a retirar ações judiciais contra Dantas. O banqueiro então também disse que não retirava as suas. Mas a partir daí - já com o interesse da Oi -, as negociações foram aceleradas e o acordo enfim assinado, simultaneamente por todas as partes com a retirada das ações e o compromisso de um não mais acionar o outro na Justiça.

Greenhalgh ouviu falar pela primeira vez que a PF investigava Dantas antes do fechamento do acordo. Um rastreamento no Judiciário e na polícia nada revelou. Quando Humberto Braz avisou que estava sendo seguido por pessoas que se diziam da Abin, LEG tinha uma conversa com Carvalho para discutir um evento político em Jaú (SP).

No encontro contou que um seu cliente fora seguido por um Astra, placa KWY 8132, e que um tenente chamado Marcos, lotado na PM de Minas Gerais, se identificara a serviço da Abin. Braz e Greenhalgh temiam que pudesse se tratar de um sequestro. Carvalho conferiu e respondeu - num telefonema que foi grampeado - que não havia nada. Depois voltou a chamar. Havia gente da Abin no local, mas o alvo da operação seria um estrangeiro.

Num raro momento de bom humor - esperava ser criticado por defender Dantas, mas não de chefiar uma quadrilha -, Greenhalgh costuma perguntar como pode ser encarregado de ilícitos dentro do governo, se nunca conversou, mandou recomendações ou concordou com a nomeação do ministro Mangabeira Ünger - que trabalhou para Dantas nos EUA - para o ministério.