Título: Meirelles nega omissão do BC na apuração do caso
Autor: Ribeiro , Alex
Fonte: Valor Econômico, 16/07/2008, Brasil, p. A7

O presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, disse que parte dos supostos crimes e irregularidades ocorridos no Banco Opportunity foram cometidos por pessoas físicas, e não pela própria instituição. "Às vezes, descobre-se que nas horas vagas um funcionário de um banco está cometendo crimes", disse Meirelles em depoimento na Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) do Senado.

O presidente da CAE, senador Aloizio Mercadante (PT-SP), disse que o BC terá de se posicionar claramente se houve gestão fraudulenta ou evasão de divisas. "Ou houve exagero da Polícia Federal (PF) nesse caso ou houve omissão do BC, que é o órgão competente para fiscalizar o banco."

Meirelles disse que não está na alçada do BC apurar todos os crimes e irregularidades. Segundo ele, cabe à Comissão de Valores Mobiliários (CVM) fiscalizar fundos de investimentos. Segundo ele, a PF é a responsável por apurar crimes eventualmente cometidos por controladores, diretores ou funcionários de bancos fora do expediente.

Alegando sigilo bancário, Meirelles recusou-se a informar se o BC abriu procedimento administrativo para apurar irregularidades de sua alçada, como evasão de divisas ou gestão temerária. Disse apenas que, em tese, irregularidades como essas são apuradas pelo BC e, no caso da constatação de crimes, o Ministério Público é informado. Os processos administrativos do BC só se tornam públicos, disse, em caso de apelação ao Conselho de Recursos do Sistema Financeiro Nacional.

Mercadante reconheceu que, de fato, a legislação do sigilo bancário impede que o BC diga se está apurando o caso. Mas ponderou que será fundamental saber, no futuro, o papel desempenhado pelo BC.

A apuração da PF na Operação Satiagraha começou a partir de indícios de evasão de divisas nas aplicações de brasileiros no Opportunity Fund, sediado no paraíso fiscal das Ilhas Cayman.

A evasão de divisas é definida no artigo 22 da Lei 7.492, de 1986, que trata dos crimes contra o sistema financeiro nacional. É crime "efetuar operação de câmbio não autorizada, com o fim de promover evasão de divisas do país". Segundo essa lei, comete o crime quem "promove, sem autorização legal, a saída de moeda ou divisa para o exterior, ou nele mantém depósito não declarados à repartição federal competente".

O ponto de partida da apuração é um disco rígido apreendido em um computador do Opportunity que, segundo a PF, contém uma lista de brasileiros que aplicam no Opportunity Fund, o que é proibido. A aplicação de estrangeiros é disciplinada por normas do Conselho Monetário Nacional (CMN). Por essas regras, só estrangeiros podem aplicar em fundos de investimentos de estrangeiros, que durante muito tempo gozaram de benefícios fiscais. A proibição de brasileiros entre os cotistas também consta de instrução da CVM.

Como a aplicação de brasileiros era proibida, a PF suspeitou que o dinheiro chegou às Ilhas Cayman de forma irregular. Com base nesses indícios, obteve a quebra de sigilos bancário, fiscal e telefônico de administradores do fundo e do banco.

Por lei, operações de câmbio feitas no país devem ser contratadas com instituições financeiras autorizadas, que devem fazer os registros no BC. A PF sustenta, com base nas informações recebidas do BC, que não há contratos de câmbio referentes às remessas de recursos pelos cotistas brasileiros. Mas ainda não foi constatada ilegalidade. A PF ainda não conseguiu determinar como se deu a saída dos recursos - se por doleiros ou por outros meios ilegais.

A PF diz que dados encaminhados pela Receita Federal mostram que os cotistas brasileiros do Opportunity Fund não declararam as aplicações ao Fisco. Isso, em tese, comprova a evasão de divisas na visão da PF. A lei que define os crimes contra o sistema financeiro nacional diz que depósitos no exterior têm de ser declarados.

A evasão de divisas é um conceito do século passado, quando seguidas crises do balanço de pagamentos firmaram o entendimento de que a moeda forte é um patrimônio estratégico do país e que a sua violação é crime. Nos anos 1980, por exemplo, cidadãos tinham que pedir autorização por escrito ao BC para comprar medicamentos no exterior. Nos últimos 20 anos, o crime de evasão de divisas perdeu parte do sentido, já que a legislação cambial se tornou menos restritiva.

Em 2005, o governo deu um passo importante na descriminalização das operações cambiais, ao estabelecer que a compra e venda de moeda estrangeira pode ser feita livremente, desde que observados os princípios da legalidade e fundamentação econômica e desde que amparadas por documentação. Esse foi um marco, que transferiu as operações até então feitas pela CC5, extinta na ocasião, para o mercado tradicional de câmbio.

Em setembro de 2006, o CMN baixou resolução que autorizou pessoas físicas e empresas a aplicarem no mercado de capitais e de derivativos no exterior. Do ponto de vista das regras cambiais, já é possível aplicar recursos no exterior sem que seja caracterizado o crime de evasão. Mas a evasão ainda ocorre quando o investidor não declara valores no exterior à Receita Federal.