Título: R$ 100 bi na nova previdência
Autor: Fariello , Danilo
Fonte: Valor Econômico, 16/07/2008, EU & Investimentos, p. D1

Os planos de previdência aberta, notadamente os PGBL e VGBL, ultrapassaram no primeiro semestre a marca de R$ 100 bilhões em carteira, segundo dados do site financeiro Fortuna. De janeiro a junho, esses planos registraram captação de R$ 5,3 bilhões, valor 6% acima do total verificado no mesmo período do ano passado - tradicionalmente, há uma sazonalidade que faz com que as aplicações no segundo semestre sejam maiores do que no primeiro. A velocidade de avanço da captação de recursos é menor do que a verificada em anos anteriores, mas o aumento indica que ainda é crescente o volume de investimentos que encontra na previdência aberta uma alternativa de investimento para o longo prazo.

Os números da captação na previdência revelam também uma forte mudança no perfil das aplicações. Embora o ingresso de recursos em PGBL e VGBL no semestre tenha sido de R$ 5,3 bilhões, na verdade quem puxou esse avanço foram os planos com renda variável, que receberam R$ 6,4 bilhões, enquanto os planos puros de renda fixa perderam mais de R$ 1 bilhão, indica o relatório do Fortuna. Segundo a consultoria, há uma continuada troca de carteiras mais conservadoras, das categorias DI e de renda fixa, para os mais agressivos, formados pelo conjunto de fundos das categorias balanceados e multimercado. É essa migração, principalmente, que resulta nos saques dos fundos de planos conservadores.

São sinais de que os participantes ligaram pouco para as turbulências de curto prazo no primeiro semestre e perceberam que os fundamentos da economia continuam sólidos e propícios para aplicações de longo prazo, mesmo em renda variável, diz Tarcísio Godoy, presidente da Brasilprev, maior seguradora no ramo. "Volatilidade no curto prazo é bom, porque pode se transformar em maior resultado no longo prazo."

Os brasileiros estão começando a entender e a separar o que é turbulência conjuntural do que são questões estruturais, diz Carlos Guerra, diretor do Itaú Vida e Previdência e vice-presidente da Federação Nacional de Previdência Privada e Vida (Fenaprevi). Essa noção já é bem disseminada entre o participante de alta renda, mas os investidores menores ainda patinam, mudando com mais freqüência de planos, comenta ele. "Mas todos já perceberam que os benefícios tributários da previdência são gigantescos e criam oportunidades legais para ter retornos maiores."

Porém, para continuar a crescer a um ritmo forte, o setor vem tendo de se renovar e criar alternativas, diz Guerra. Voltam a crescer as alternativas para planos corporativos, diz. Também são cada vez mais freqüentes os lançamentos de produtos mais sofisticados voltados para menores de idade e com ações, diz ele. "O mercado tem buscado formas de fomentar os planos, principalmente na gestão." O ingresso de gestoras independentes no setor nos últimos meses também colabora com essa sofisticação.

Godoy diz que a maior conscientização do investidor da previdência também é revelada pelo ritmo maior de adesão à tabela de imposto de renda regressiva. "Já é mais de um a cada três que escolhem a regressiva na Brasilprev", diz ele. Em 2005, essa parcela era menor do que 10% do total.

Edson Franco, presidente da Real Tokio Marine, também compartilha da visão otimista do setor, de que o crescimento da captação e a contínua migração para planos compostos deriva do maior esclarecimento dos participantes. "O investidor está ciente do produto, sem efetuar movimentos de soluço a cada turbulência." Mas, para ele, uma visão pessimista poderia ser a de que o aplicador ainda tem uma visão casuística, ligando pouco para o que acontece no mercado, uma vez que decidiu pelos aportes mensais na previdência e paga a fatura todo mês. Essa visão, porém, não justificaria a migração para renda variável.

Segundo Marcelo Rudge Ribeiro, consultor de previdência da Quórum, essa migração para a renda variável é puxada principalmente pelos grandes investidores da previdência, mais preocupados com o retorno no longo prazo. "E está certo, porque em períodos de muitos anos a renda variável efetivamente faz sentido e tende a render mais do que os juros."

Os especialistas do mercado destacam que houve diferença nas atitudes dos participantes dos planos de previdência daqueles aplicadores dos fundos de investimento em ações e multimercados, que, mais ariscos, deixaram muitas carteiras mais agressivas que tiveram fraco desempenho nos últimos meses. Todos sabem, porém, que a tolerância do investidor à turbulência tem limite. "No entanto, a conquista do grau de investimento foi uma garantia a mais de que, no longo prazo, a situação realmente está melhor", diz Godoy.

Guerra, alerta, porém, que o crescimento da captação dos PGBL e VGBL pode estar inflado com uma aceleração da migração dos participantes dos planos tradicionais para esse modelo mais novo. Os dados do Fortuna não consideram os recursos em planos tradicionais - anteriores ao PGBL e ao VGBL, com rentabilidade garantida, mas limitada - e consideram, portanto, as migrações como aportes. O Fortuna calcula as entradas e saídas da previdência conforme o fluxo das carteiras em que os planos aplicam. Por considerar esses dados, a Fenaprevi já apontava total acima de R$ 100 bilhões desde meados do ano passado.

Como no semestre a bolsa apresentou alta de apenas 1,77%, houve vários planos de diferentes categorias lideram o ranking de retorno no período. Algumas carteiras com gestão ativa conseguiram obter desempenho melhor do que o do Ibovespa, mas foram poucos os casos. Foi um período de destaque para os fundos que seguem índices de inflação, dado o repique de preços no período. No semestre, os de renda fixa renderam, em média, 4,76% e os planos com ações, de 3,74% a 5,39%.