Título: Gestão de demanda vai permitir cortar preço de droga contra a malária
Autor: Schoofs , Mark
Fonte: Valor Econômico, 17/07/2008, Internacional, p. A11

A fundação do ex-presidente americano Bill Clinton deve anunciar hoje um acordo de preços que, espera, vai tornar remédios de combate à malária disponíveis a milhões de pobres no mundo. O acordo mostra a sofisticação necessária para controlar as forças do mercado e levar drogas salvadoras de vidas a países onde doenças curáveis matam milhões de pessoas.

O grande problema com as melhores drogas de combate à malária - conhecidas com ACT, iniciais em inglês para terapia combinada de artemisinina - é o preço muito volátil da potente planta de onde se extrai a artemisinina. Nos últimos anos, o preço desse ingrediente-chave variou de US$ 150 a US$ 1.100 por quilo, segundo um fabricante chinês.

Tal instabilidade dificulta aos participantes desse mercado fazer qualquer planejamento - quer sejam produtores de artemisinina, empresas farmacêuticas ou ministérios da saúde, freqüentes compradores do remédio. Isso pode deixar os laboratórios mais cautelosas quanto a reduzir preços, por medo de outro salto no custo da artemisinina, e impedir que empresas de genéricos entrem no negócio, o que limita a competição e faz com que, em tese, os preços fiquem acima do que poderiam se o mercado fosse competitivo.

O acordo que Clinton planeja anunciar vias limitar as flutuações de preço. Ele cria um consórcio de dois fornecedores chineses de artemisinina bruta, duas empresas indianas que convertem artemisinina em ingredientes ativos e duas farmacêuticas indianas de genéricos. O contrato estipula um teto para os preços da planta em troca de uma garantia de que os outros membros do consórcio vão comprar grandes quantidades de artemisinina dos fornecedores - a menos que fornecedores não-membros possam oferecer produtos de qualidade similar com desconto, cujo tamanho não foi divulgado.

O acordo também reduz o preço de uma droga, conhecida como ASAQ, em cerca de 30%.

Deve participar da apresentação com Clinton o diretor-presidente da Novartis, Daniel Vasella. A farmacêutica suíça tem fornecido a maior parte dos remédios ACT nos países em desenvolvimento (66 milhões de tratamentos só no ano passado) com um prejuízo que Vasella diz superar US$ 100 milhões, incluindo custos de pesquisa e desenvolvimento. Clinton deve agradecer à Novartis por fornecer a droga e não elevar o preço, apesar do salto no custo da artemisinina.

A Novartis não é parte do consórcio, mas Vasella elogia o esforço de tornar os remédios contra a malária mais acessíveis. Sua principal ressalva é que o acordo de Clinton "não resolve a necessidade de novas drogas e os incentivos para que os inovadores se engagem mais".

"Como foi possível que tivéssemos um produto que transformou o tratamento da malária, salvando 500.000 vidas? Só é possível com inovação", afirma Vasella.

O trabalho ligado à malária da Fundação Clinton parte de iniciativas anteriores. Em 1996, quando os medicamentos contra a aids começaram a reduzir a mortalidade em países ricos, ativistas pressionaram as farmacêuticas donas de patentes a reduzir os preços e o governo dos EUA a abandonar sua oposição à quebra de patentes em países pobres. A enorme diferença entre o preço cobrado pelas fabricantes de genéricos e o das grandes farmacêuticas acabou por pressionar estas últimas a cortar os preços em países mais pobres.

Ainda assim, em 2003 as drogas anti-aids alcançavam uma parcela mínima de pessoas, em parte porque os países mais pobres não faziam aquisições por medo de não disporem de recursos para a administração de remédios complexos e de uso prolongado. O resultado: apesar de milhões estarem morrendo de aids na África Ocidental, havia pouca demanda pelas drogas que poderiam salvá-los.

Na primeira grande tentativa de cortar preços, a Fundação Clinton de fato catalisou a demanda, trabalhando com governos africanos para montar planos de distribuição do remédio em larga escala e depois usando essa demanda para barganhar com fabricantes de genéricos a redução de preços. Outro ponto-chave: os países ricos concordaram em dar milhões para ajudar a comprar o remédio.

A Fundação Clinton entregou a questão da artemisinina a Inder Singh, dono de cinco títulos acadêmicos, sendo um mestrado em administração no MIT e dois mestrados em ciências da saúde em Harvard e no MIT. Ele trabalhou em duas empresas novas de tecnologia no Vale do Silício, na Califórnia, antes de abrir sua própria empresa. É esse conhecimento empresarial que a Fundação Clinton aplica à questão do preço dos remédios, mergulhando a fundo na dinâmica do processo de compra e venda.

Com a malária, não é preciso gerar demanda, mas administrá-la. De fato, foi a alta da demanda que criou o ciclo de altas e baixas da artemisinina. Após a OMS recomendar, em 2001, que as drogas ACT fossem a linha de frente no combate à malária, a demanda explodiu. Como a planta artemesia annua leva um ano ou mais para produzir, isso gerou oscilação do preço, disse Singh. Isso fez também muitos pequenos agricultores chineses entrarem no mercado, gerando excesso de oferta e a conseqüente queda no preço, a tal ponto que dois fabricantes de remédios chineses disseram que estavam vendendo artemisinina com prejuízo.

Prever a demanda ajudou a Fundação a arquitetar o acordo e a criação de um padrão de qualidade e parâmetros de medição.

As empresas do consórcio são as fornecedoras de artemisinina PIDI Standard Holdings e Holley Pharmaceuticals Chongqing, da China; e as indianas Cipla., Ipca Laboratories, Calyx Chemicals & Pharmaceuticals e Mangalam Drugs & Organics. (Colaborou Robert A. Guth)