Título: Disputas na Justiça podem mudar ritmo de investigação
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 17/07/2008, Opinião, p. A12

As investigações sobre supostos crimes cometidos pelo banqueiro Daniel Dantas e executivos do Opportunity sofreram uma reviravolta: os investigadores foram para o banco dos réus e foram afastados. Além disso, a Justiça rachou pela metade, com uma parte de juízes, promotores e magistrados condenando a atitude do presidente do Supremo Tribunal Federal, Gilmar Mendes, de conceder o segundo habeas corpus a Dantas, e outra metade apoiando a atitude de Mendes. O ministro da Justiça, Tarso Genro, invadiu seara alheia ao dizer que dificilmente Dantas escaparia das acusações, e o governo não saiu ileso, pois o chefe de Gabinete, Gilberto Carvalho, teria auxiliado um dos advogados de Dantas, o petista Luiz Eduardo Greenhalgh, a rastrear possíveis agentes envolvidos na investigação. Outra reviravolta, possivelmente provisória, é que as acusações contra Dantas submergiram em meio a reclamações generalizadas - muitas delas absolutamente justas - contra abusos da Polícia Federal na obtenção de provas.

O desenrolar dos acontecimentos até agora não é favorável a uma necessária apuração séria e isenta das acusações contra Dantas. O delegado Protógenes Queiroz, que preside o inquérito, foi afastado, com justificativa de que desdenha da inteligência dos cidadãos - ele precisaria fazer um curso de especialização. O diretor-geral da PF, Luiz Fernando Corrêa, entrou de férias - por mera coincidência, segundo o ministro Tarso Genro. Dois delegados auxiliares de Protógenes saíram do caso, provavelmente a pedidos.

O delegado Protógenes fez uma peça acusatória inábil, onde ideologia e preconceitos atropelam a busca do real conhecimento dos fatos. Quanto mais se conhecem trechos dos relatórios, mais avultam suposições fantasiosas. Entretanto, há fatos graves a apurar, como indícios de tráfico de influência, corrupção, sonegação de impostos, evasão de divisas etc. Com o delegado-geral da PF em férias e os principais investigadores afastados, o processo do caso Dantas pode entrar no limbo.

Não há dúvidas de que a profusão de grampos e o espetáculo das prisões mostra que a Polícia Federal ultrapassa limites perigosos. Há formas legais de coibir abusos desta natureza no futuro com medidas administrativas e mudanças de legislação, como a que será apressada a partir de agora, referente à delimitação do uso de escutas telefônicas. A coerção ao abuso de poder, porém, não pode dar vazão ao seu contrário, isto é, ao cerceamento aos próprios poderes legítimos de investigação do Estado. Os erros agora cometidos pela PF abriram um vasto espaço onde os acusados podem passar, com alguma verossimilhança, por vítimas.

Se delegados da Polícia Federal jogaram para a platéia, que nunca vê sonegadores e ladrões do dinheiro público atrás das grades, dadas a morosidade da Justiça e a leveza das punições aos crimes do colarinho branco, ao governo as investigações sobre Daniel Dantas são um incômodo, quando não uma bomba política de efeito retardado. Ela traz riscos potenciais também à oposição, porque o império de Dantas ganhou solidez a partir de manobras na privatização das teles durante o governo de Fernando Henrique Cardoso.

Aos petistas, os rumos do caso despertam apreensão - o dinheiro de Dantas apareceu no escândalo do mensalão, que vitimou o ex-chefe da Casa Civil, José Dirceu. Ao governo, a investigação atual pode atrapalhar uma outra jogada nas telecomunicações, a fusão da Brasil Telecom, que foi administrada por Dantas, com a Oi, com um patrocínio oficial vedado pela legislação, que será mudada a posteriori para adaptar-se a fatos consumados. O passado continua assombrando o presente.

Falta algo mais que investigações sérias no país, como o caso Dantas revela. O ativismo da PF mostra que entre os ilícitos e a batida policial não há nada. Há inação ou omissão de órgãos de fiscalização e regulação, que deveriam brecar e coibir irregularidades bem antes de elas se tornarem um caso de operação policial e algemas. Sem essa retaguarda institucional, as operações da PF, que deveriam ser a última instância, acabam sendo a primeira. Com isso, abre-se perigoso caminho para processos incompletos ou mal fundamentados, e para arbitrariedades e seu reverso, a impunidade.