Título: É fácil encontrar na web arsenal de espionagem
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Fonte: Valor Econômico, 17/07/2008, Empresas, p. B3

O sigilo de ligações telefônicas por celular e o direito à privacidade de informações, um assunto que - para o bem ou para o mal - envolve os mais diversos interesses de empresas, entidades e governos, parece ser tema de piada quando se navega pela páginas da internet. É uma verdadeira feira.

Na "Grampocell", por apenas R$ 25, é possível comprar um kit de apostilas "somente para fins didáticos" para ficar "ouvindo todas as conversações recebidas e discadas". A empresa, que destaca não se responsabilizar "pelo mau uso do mesmo", já contabiliza mais de 10 mil acessos a suas páginas.

Com um pouco de paciência, encontra-se material gratuito que ensina programadores a montar sistemas de escuta. Em sites de leilões, pessoas - que divulgam abertamente nome, telefones e e-mail de contato - chegam a oferecer maletas, computadores e máquinas especiais - algumas de uso militar - para interceptação de ligações a distância. Os preços variam facilmente da casa dos R$ 20 mil para R$ 50 mil.

A oferta de sistemas de empresas de outros países também é vasta. Companhias como tailandesa Vervata, que fabrica o sistema, FlexiSpy, permitem que a pessoa baixe um programa pela internet e insira uma escuta no celular da vítima, conteúdo que depois poderá ser conferido via internet. "Tudo isso é ilegal, você só pode gravar uma ligação se participar dela", comenta Rony Vainzof, professor de direito eletrônico e sócio do escritório Opice Blum Advogados. "Hoje, o único instrumento legal que permite interceptar uma conversa de terceiros é por meio de mandado judicial."

Segundo Paulo Del Grande, diretor-presidente da Del Grande, empresa especializada em sistemas de vigilância e gravação de ligações telefônicas, as operações clandestinas não prejudicam seu negócio. "Atuamos muito com empresas de setores críticos, que são obrigadas a registrar suas ligações, como a indústria de energia e de aviação", comenta. "Os negócios evoluem bem, não há impacto."

A Suntech, empresa catarinense especializada no desenvolvimento de sistemas para supervisão de redes celulares, é um dos nomes que mais tem se beneficiado com a demanda de tecnologias para escuta telefônica. É ela a dona do sistema que operadoras como TIM, Oi, Claro e Vivo utilizam quando estas recebem um mandado judicial para quebrar o sigilo telefônico de alguém que seja alvo de investigações. O "Vigia", como foi batizado o sistema, foi adotado pela primeira vez em 1999. "Hoje o produto é o carro-chefe da empresa e representa 50% dos nossos negócios", diz o gerente de negócios da Suntech, Fabiano Wiggers, que não revela o faturamento da empresa.

No ano passado, conforme levantamento feito pela Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) das Escutas Telefônicas Clandestinas junto às operadoras de telefonia, foram realizadas 409 mil interceptações legais, atendendo a pedido das polícias do país. Esse volume, no entanto, corre o risco de não se equipar às operações ilegais de escuta, que parecem não ter limites.

Ontem, a Polícia Federal (PF) desencadeou a "Operação Ferreiro", que desmantelou uma organização criminosa suspeita de quebrar o segredo de Justiça de pessoas que estão passando por processos de interceptação telefônica. A quadrilha, segundo a PF, também teria executado grampos clandestinos e quebrado o sigilo de contas bancárias. Os policiais federais descobriram que os suspeitos chegavam a cobrar até R$ 3 mil por varredura em cada linha telefônica, para fornecer informações sobre a existência, o período e a origem do mandado judicial de interceptação. A PF encontrou indícios de que a quadrilha contaria com a participação de prestadores de serviço de empresas - tanto de telefonia fixa quanto de celular - e que possui uma vasta rede de clientes, incluindo pessoas físicas e jurídicas. (AB)