Título: Investimento em segundo plano
Autor: Tahan, Lilian
Fonte: Correio Braziliense, 01/03/2011, Cidades, p. 31

Entre os motivos para os frequentes apagões que surpreendem e incomodam os moradores do Distrito Federal, um tem explicação matemática. Nos últimos cinco anos, o governo investiu menos dinheiro do que o necessário na Companhia Energética de Brasília (CEB). Entre 2005 e 2010, o orçamento autorizado para a CEB somou R$ 1,01 bilhão. Mas dessa quantia reservada pelo próprio GDF e aprovada pela Câmara Legislativa, quase a metade (R$ 406 milhões) não foi gasta pela companhia. A diferença entre o orçamento que se previu e o que de fato se realizou pode explicar, segundo acreditam especialistas, por que a capital da República tem ficado no escuro.

O orçamento é papel. Montado a cada ano a partir de um cálculo feito sobre a necessidade de recursos para custear despesas e financiar investimentos, nem sempre tudo o que foi programado é executado. No caso da CEB, 40% da previsão não se cumpriram nos últimos tempos. Pior, em alguns períodos, como de 2009 para 2010, o aporte de verbas caiu de R$ 215,3 milhões para 186,1 milhões. Entre 2006 e 2007, também houve redução de R$ 9,3 milhões na aplicação de capital dentro da CEB.

Levantamento realizado com base nos dados do Sistema Integrado de Gestão Governamental (Siggo) revela que 2010 foi o ano em que ocorreu a maior diferença entre o orçamento autorizado e o realizado pela estatal. No ano passado, mais da metade do dinheiro reservado para ser investido na CEB (55,8%) foi desviado para outras prioridades (veja quadro).

Professor da Universidade de Brasília (UnB), o engenheiro elétrico Mauro Moura cita que, entre as necessidades da CEB, estão providências como a construção de novas subestações e modernização das linhas existentes, medidas que exigem custo além da manutenção da rede, ou seja, exigem investimento. ¿Não é possível saber em que medida a redução do nível de recursos da CEB ao longo dos anos acarretou a crise que vivemos agora, mas que essa relação existe é óbvio. É certo que a falta de investimento aumenta o risco de colapso do sistema¿, disse o professor.

Consultor especializado em administração, o professor Jorge Pinho complementa o raciocínio do colega com o seguinte exemplo. ¿Vamos supor que o orçamento tenha destinado R$ 100 mil para conservar linhas de transmissão. Se só R$ 50 mil foram usados significa que ou todo o sistema foi atendido com menos qualidade ou metade dele ficou sem cobertura. É matemático, se diminuir investimento, diminui também a eficiência¿, diagnosticou.

Registros O presidente da CEB, Rubem Fonseca, avalia que o deficit contribuiu para os apagões no DF. Para se ter uma ideia, a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) informa que, de janeiro de 2010 a fevereiro deste ano, foram registradas 97 ocorrências sobre interrupções no fornecimento de energia. Número, inclusive, que pode estar subestimado já que nem todas as quedas de luz são informadas à Aneel.

Rubem Fonseca considera grave a diminuição dos recursos aplicados na CEB e afirma que a crise foi agravada porque mesmo o dinheiro aplicado na companhia, em geral, alimentava o braço de geração de energia da empresa (ou seja, a compra) e não o setor de distribuição. ¿Os recursos investidos no sistema foram aquém do crescimento da demanda. Cresceu o número de consumidores e a demanda de consumo. Mas mesmo os recursos disponíveis no orçamento não eram prioritariamente usados para melhoria e modernização da rede. Em vez disso, se priorizou, por exemplo, contratos na área meio de informática, quando nem sempre os produtos eram entregues¿, disse. Ele informa que, para este ano, estão previstos R$ 180 milhões para a companhia, pouco para resolver a situação dos blecautes. ¿O sistema necessita de R$ 300 milhões¿.

Dívida Um dos problemas apontados pela atual direção da empresa é uma suposta cultura de calote dos órgãos do governo com a CEB. Obras e prestação de serviços de energia eram requisitados e não remunerados. A dívida do próprio GDF com a CEB chega hoje a R$ 213 milhões. Na nova gestão, qualquer demanda na CEB será registrada e o respectivo pagamento empenhado, segundo o novo comando da estatal.

Transtorno rotineiro Lucas Tolentino No último fim de semana, mais uma vez, os consumidores de algumas regiões ficaram às escuras. O Sudoeste foi a área atingida. José Vicente Paulo, sócio de um restaurante chinês na Quadra 100 da cidade, contou que, no sábado, a energia acabou às 19h40 e só voltou depois de duas horas. ¿Nem liguei para a CEB porque não adianta. Está faltando energia direto e nada é feito para melhorar¿, reclamou.

Os prejuízos foram muitos. ¿Os peixes e os camarões que estavam no freezer descongelaram¿, citou José Vicente. O empresário decidiu fechar as portas mais cedo. ¿Não dava para trabalhar no computador, nem para usar a máquina de pagamento com cartão. Deixei de fazer várias entregas e de receber clientes. As pessoas passavam na rua e, como estava tudo escuro, nem paravam para comer. O jeito foi encerrar o expediente¿, lamentou.

Gerente de um outro restaurante, Simone Vieira explicou que o sistema caiu e as atendentes não conseguiam pesar as massas na balança elétrica. A interrupção no serviço da CEB deixou os fregueses irritados. ¿Teve bastante gente que reclamou. Era um horário de muito movimento. Toda hora chegava alguém¿, disse Simone.

O transtorno também foi registrado na área residencial. A aeroviária Luciana Gusmão, 30 anos, desistiu de ficar em casa e foi ao supermercado com o marido. ¿Até os postes da rua estavam apagados. O serviço está muito defasado. Nem estava chovendo na hora que a energia acabou¿, disse. Na Asa Norte, também houve pico de energia. A CEB informou que o blecaute no Sudoeste foi pontual e causado por um curto-circuito.