Título: Cacciola nega que é foragido e contradiz seu próprio livro
Autor: Santos , Chico
Fonte: Valor Econômico, 18/07/2008, Finanças, p. C8

Bem-humorado, o ex-dono do banco Marka, Salvatore Cacciola, disse em entrevista na Polícia Federal, no Rio, que quer responder acusações em liberdade O ex-banqueiro Salvatore Cacciola disse, em entrevista na sede regional do Rio da Polícia Federal, que não é foragido porque deixou o Brasil, em julho de 2000, legalmente, com passaporte carimbado. O relato que faz no capítulo 11 do seu livro "Eu, Alberto Cacciola Confesso" (ed. Record) é de uma fuga espetacular, embora ele tenha, efetivamente, carimbado o passaporte, em território uruguaio. Não houve carimbo de autoridade brasileira, usual para quem viaja legalmente ao exterior.

Segundo o texto, Cacciola planejou cuidadosamente sua viagem para a Itália, sem intenção de voltar, já no presídio do Ponto Zero (Benfica, zona norte do Rio), onde passou 37 dias preso. O plano começa com a dupla saída do presídio, para despistar os jornalistas. Primeiro, saiu com um terno, voltou e, lá dentro, trocou de roupa com o filho Fabrizio que foi perseguido pelos jornalistas como se fosse o pai, enquanto Cacciola esperava para sair tranqüilamente.

Naquele mesmo dia ele viajou de carro até Parati (RJ) onde dormiu em um barco. Daí, de helicóptero para uma fazenda no interior de São Paulo e, no dia seguinte, de avião até Santana do Livramento (RS), a fronteira seca muito usada para fugas do país. Um pouso forçado em uma fazenda, travessia de taxi para Rivera (Uruguai) e um carimbo no passaporte de última hora, após serem acesas as luzes para que o avião alugado decolasse com o passageiro que se disse desconhecido do piloto.

O roteiro segue para a capital uruguaia, Montevidéu, o despacho da bagagem direto para Roma, a viagem de avião de carreira até Buenos Aires, e embarque para Roma. No relato, demonstra o medo de ser interceptado que todo fugitivo tem. Ao despachar a mala para Roma, disse ter pensado: "Se alguém me pegar em Buenos Aires, a mala vai sozinha para Roma". A intenção de não retornar fica clara no parágrafo seguinte: "Quando o avião finalmente decolou (de Montevidéu) eu sabia, mais do que nunca, que não tinha volta. Era o dia 16 de julho de 2000".

Para sair do Uruguai, ele só precisou entregar uma "tarjeta de entrada" que recebeu em Rivera de uma autoridade aduaneira que ele pensou em gratificar pelo serviço. Houve uma confusão porque as luzes do aeroporto da cidade estavam apagadas e o teco-teco alugado não conseguia decolar. O problema foi resolvido e o passaporte de Cacciola carimbado. "Perguntei ao piloto quanto deveria dar de gratificação ao pessoal".

Cacciola desembarcou no Rio antes das 5h, ontem, e foi levado direto da pista do aeroporto para a sede da PF, não passando pelos jornalistas que o aguardavam. Na PF, concedeu uma entrevista, às vezes sorridente, dizendo que não havia fugido e que esperava responder em liberdade ao processo no qual foi condenado a 13 anos de prisão em primeira instância como os outros sete réus.

A primeira noite no Brasil não foi promissora: Cacciola dormiu no presídio Ari Franco (Água Santa, zona norte), usado para presos comuns. Sua defesa pediu para que ele seja transferido para o presídio Bangu 8, onde as celas são individuais. Segundo o procurador Regional da República Artur Gueiros, um dos responsáveis pela denúncia do caso Marka FonteCindam, Cacciola efetivamente tem direito a prisão especial porque sua prisão ainda é provisória.

Gueiros, que participou da delegação que foi a Mônaco buscar Cacciola, disse também que o ex-banqueiro é o único réu que está preso porque foi também o único que criou problemas para o processo, inclusive fugindo do país. O procurador disse ainda que se sentia "realizado profissionalmente" após passar oito anos em contato com a Interpol tentando trazer o ex-banqueiro de volta ao Brasil. Ele disse esperar que os recursos de Cacciola e do Ministério Público no Tribunal Regional Federal (TRF) do Rio sejam julgados em cerca de dois meses. Gueiros pediu que Cacciola seja também condenado por fraude fiscal -art. 10º da Lei do Colarinho Branco (nº 7.492). O parecer do procurador Regional Rogério Nascimento endossou o pedido. O artigo prevê pena de um a cinco anos.