Título: Desaceleração será moderada no 2º semestre
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 22/07/2008, Brasil, p. A5

A economia brasileira manteve um ritmo de crescimento robusto no segundo trimestre, exibindo apenas sinais tênues de moderação. Os dados de produção industrial devem revelar que o trimestre encerrou com um crescimento muito próximo aos 6,3% dos primeiros três meses (na comparação com 2007), enquanto as vendas do comércio aceleraram em maio e a criação de empregos formais bateu recorde em junho. Nas operações de crédito para a pessoa física e na evolução da massa salarial, a perda de fôlego é mais visível, mas ambos ainda avançam a uma velocidade significativa.

Como em outros momentos (o último deles em 2004), o impacto defasado da alta dos juros, a expansão mais branda de empréstimos e financiamentos e a corrosão do poder de compra dos consumidores pela inflação deve levar ao arrefecimento da atividade econômica no médio prazo. Para o segundo semestre, portanto, a expectativa é de uma desaceleração moderada. Um crescimento do PIB um pouco abaixo de 5% continua o cenário mais provável para 2008.

A ser divulgada em duas semanas, a produção industrial de junho deve mostrar uma alta forte, indicando que o resultado fraco de maio de fato se deveu ao menor número de dias úteis. A expectativa dos analistas é que haja uma alta de 1% a 1,5% em relação ao mês anterior, na série com ajuste sazonal, e de algo como 7% a 8% sobre junho do ano passado.

Os números da indústria automobilística são um dos principais fatores que levam bancos e consultorias a projetar um crescimento tão expressivo para a produção industrial. Em junho, a fabricação de automóveis cresceu 23% na comparação com o mesmo mês de 2007. O economista Francisco Pessoa Faria, da LCA Consultores, acredita que a indústria vai fechar o segundo trimestre com alta de 6,3% em relação a igual período do ano passado - percentual idêntico ao do primeiro.

Mesmo com a expectativa de um bom desempenho da indústria em junho, o economista-chefe da corretora Convenção, Fernando Montero, acredita em acomodação da produção. Para ele, há uma mudança importante em curso na economia. Até o começo deste ano, a produção crescia com força e as importações disparavam, mas não havia formação de estoques, combinação que mostrava um firme aumento da absorção final (consumo e investimento) na economia.

O quadro atual é diferente, diz Montero: a produção se acomodou num nível elevado, as importações líquidas (diferença de vendas e compras externas) crescem a um ritmo um pouco menor e os inventários estão em alta. "As sondagens informam mais estoques em toda a indústria", afirma ele, observando que o setor automobilístico mostra isso claramente. Segundo Montero, entre dezembro de 2007 e junho deste ano, o inventário de veículos aumentou em 95,7 mil unidades.

Destaque no primeiro trimestre, o investimento manteve um ritmo intenso no segundo, ainda que um pouco mais fraco. O economista-chefe da MB Associados, Sérgio Vale, estima que a formação bruta de capital fixo (FBCF) cresceu 12,1% em relação ao mesmo intervalo de 2007, com a construção civil aumentando 9% e o consumo doméstico de máquinas e equipamentos, 14,7%. No primeiro trimestre, a FBCF teve alta de 15,2%.

O desempenho do comércio varejista em maio indicou que o consumo tem mais gás do que muitos imaginavam. As vendas cresceram 10,5% em relação ao mesmo mês do ano passado. "Os números do varejo até aqui desafiam afirmações fortes de desaceleração", reconhece Montero. Nos três meses encerrados em maio, houve uma alta anualizada de 8,2% sobre os três meses até fevereiro, na série com ajuste sazonal, segundo cálculos do Bradesco. É mais que os 6,7% no trimestre até abril, mas menos que os 11% até março. Há sinais de moderação no comércio, mas as taxas de expansão são muito elevadas. É menos que os 12% do primeiro trimestre, mas um crescimento de 10,5% é muito expressivo", afirmam os economistas do banco.

Se incluídos os segmentos de veículos e motos, partes e peças e material de construção, as vendas no varejo cresceram 11,3% em maio, na comparação com o mesmo mês de 2007. O mercado de trabalho segue forte, com alta da ocupação e da renda, ainda que a inflação afete o poder de compra dos salários.

Um dos principais motores da expansão do comércio tem sido o crédito. O economista Bruno Rocha, da Tendências Consultoria Integrada, diz que há alguns sinais de desaceleração nas operações para a pessoa física, mas o ritmo ainda é respeitável. Nos últimos meses, os juros cobrados aumentaram um pouco. No entanto, como os prazos seguem amplos, a elevação do valor das prestações é pouco significativa, o que não desestimula os consumidores a deixar de entrar em empréstimos e financiamentos. De qualquer modo, ele vê sinais de arrefecimento. Em maio, as novas concessões de empréstimos e financiamentos para a pessoa física, um bom indicador da tendência do crédito, avançaram em termos reais (descontada a inflação) 5,6% sobre o mesmo mês de 2007, uma alta bem mais modesta que os 17,4% registrados em fevereiro, os 10,5% em março e os 7,7% em abril.

Rocha observa que a capacidade de endividamento dos consumidores tem diminuído, lembrando que a inadimplência nessas operações está em alta - passou de 7% em dezembro para 7,3% em maio. Para o fim do ano, ele espera um aumento para 7,5%. No caso dos empréstimos para empresas, não há sinais claros de desaceleração, diz Rocha. As novas concessões para pessoas jurídicas têm apresentado um comportamento errático. Em maio, caíram 4,1% em termos reais sobre maio de 2007, mas haviam subido 11,6% em abril, na mesma base de comparação.

Para Pessoa, a desaceleração da atividade econômica tem sido até um pouco mais lenta do que se imaginava. "As condições de crédito continuam boas, a estabilidade trouxe mais segurança para as empresas investirem, a construção civil cresce com força e os Estados e municípios elevaram os seus gastos", diz, para explicar por que a economia ainda mostra avanço expressivo. No segundo semestre, a perda de fôlego deve enfim se materializar, acredita Pessoa, ressaltando que a base de comparação é bem mais alta. O efeito do ciclo de alta dos juros, iniciado em abril, também deve começar a se fazer sentir sobre a economia, principalmente mais perto do fim do ano.

No ciclo de alta de juros iniciado em setembro de 2004, a economia só esfriou com mais força no terceiro trimestre de 2005, quando a produção industrial cresceu 1,4% na comparação com o terceiro trimestre do ano anterior - no segundo, havia aumentado 6,1%. "A atividade caiu naquele momento com a defasagem que sugere a teoria", diz Montero. Para ele, é possível que, dessa vez, a desaceleração venha um pouco antes, embora deva ser menos intensa.

Montero nota que em 2004 o ciclo de expansão do crédito estava no começo, enquanto hoje ele dá mostras de alguma desaceleração. Além disso, naquele momento os preços dos alimentos estavam confortáveis, em função da crise na agricultura, tornando a comida barata. Hoje, os produtos alimentícios estão em alta forte, corroendo o poder de compra dos salários, especialmente dos mais pobres.

Vale também acredita que a desaceleração será menos intensa, porque os juros reais devem ficar em níveis mais baixos neste ciclo de aperto monetário. No de 2004 e 2005, as taxas reais chegaram a superar 12%. No atual, tendem a atingir, no pico, algo próximo de 8%, estima ele. Quanto à defasagem do impacto da alta dos juros sobre a atividade, Vale discorda de Montero. "Eu vejo um efeito normal e no tempo da política monetária. Nós começaremos a senti-lo no fim do segundo semestre." Ele projeta um crescimento de 5% para a produção industrial neste ano, abaixo dos 6% de 2007. Para o PIB, aposta em alta de 4,8% em 2008. No no passado, a expansão foi de 5,4%.