Título: Ubisoft vai criar jogos de videogame no país
Autor: João Luiz Rosa ,
Fonte: Valor Econômico, 22/07/2008, Empresas, p. B3

Sentado à mesa de um restaurante, Bertrand Chaverot desculpa-se várias vezes pelos seus erros de português, embora fale o idioma com fluência exemplar para um estrangeiro. Nas próximas semanas, o executivo - um francês de Lyon que viveu boa parte da vida em Paris - vai precisar muito de suas habilidades lingüísticas.

A Ubisoft, terceira maior fabricante mundial de jogos para videogame, vai abrir um estúdio de criação no Brasil. Será o primeiro de uma multinacional no país. Caberá a Chaverot, que dirigirá os negócios, selecionar os primeiros profissionais. A empresa ainda não abriu formalmente o processo de seleção, mas a fila já é surpreendente. "Depois que saiu uma nota na internet, esperávamos receber entre 200 e 300 currículos", conta o executivo. "Chegaram 2,5 mil."

A Ubisoft pretende iniciar o estúdio com 20 profissionais, chegando a 50 no prazo de um ano. A expectativa é multiplicar a equipe por dez no prazo de três anos, chegando a 200 pessoas. "Depois, não há limite", afirma Chaverot.

É uma projeção ambiciosa, considerando que em todo o mercado brasileiro, hoje, há cerca de 500 profissionais ocupados em criar software para jogos. E isso em mais de 40 empresas. A esperança da Ubisoft, no entanto, é repetir no Brasil o que aconteceu em Quebec, no Canadá. Em 1997, ao desembarcar naquele país, a empresa contratou 10 profissionais. Hoje, 1,8 mil pessoas dividem espaço em uma espécie de fábrica de cinco andares só na Ubisoft. Há cinco mil pessoas envolvidas com games na cidade e 130 mil na área de multimídia em geral.

Com o perdão do trocadilho, o jogo da indústria de videogame é cada vez mais pesado. Em 1994, os estúdios desembolsavam cerca de US$ 2 milhões para criar um título - só em desenvolvimento, sem contar as despesas de marketing - e levavam um ano para concluir o trabalho. Em média, 30 pessoas davam conta do recado. Hoje, os games mais importantes não saem por menos de US$ 20 milhões, levam três anos para chegar ao mercado e mobilizam exércitos de 200 pessoas.

É um cenário que parece saído dos jogos de ação, em que qualquer passo em falso leva à morte. Para permanecer vivas e vencer a disputa, as companhias mais poderosas do setor começaram a engolir as menores. A Blizzard, do grupo Vivendi, adquiriu a Activision por US$ 9,8 bilhões, em um acordo finalizado no início do mês, enquanto a Electronic Arts tenta, desde março, assumir o controle da Take-Two, com uma oferta de US$ 2 bilhões. A consolidação chega até a outros segmentos. A Ubisoft adquiriu a Hybride Technology, responsável pelos efeitos especiais de filmes como "300" e "Sin City". "Em alguns anos, vão sobrar apenas cinco ou seis atores nesse mercado", prevê Chaverot.

De todas as grandes empresas de games, a Ubisoft - que negocia ações na Bolsa de Paris e encerrou o ano passado com receita global de US$ 1,5 bilhão - é a mais pulverizada na área de criação. O estúdio brasileiro, que ficará em São Paulo, é o 20º da companhia no mundo. Há grupos de criação espalhados por lugares que vão de Xangai, na China, até Casablanca, no Marrocos. Ao todo, 3,3 mil pessoas criam jogos para a Ubisoft no mundo.

A empresa já teve um escritório de vendas e marketing no Brasil, entre 1999 e 2003, também sob a direção de Chaverot. Agora, com o retorno na área de produção, a Ubisoft quer aproveitar o que considera vantagens do mercado brasileiro antes que algum concorrente o faça. É o caso da oferta de profissionais e do número de universidades.

Mas há outro ponto. "No Brasil, a cultura é globalizada, com influências de vários países", diz Chaverot. "Na China, se você encomendar um jogo que gira em torno de uma menina de oito anos brincando com seu cachorro, há uma grande chance de o resultado não agradar uma consumidora americana, inglesa ou francesa. No Brasil, não."

A referência às meninas não é gratuita. De acordo com os planos, pelo menos 30% dos primeiros contratados serão mulheres. A Ubisoft pretende transformar o estúdio brasileiro em uma referência para sua linha de jogos para meninas, um segmento até pouco tempo desprezado na indústria. A novidade é que as contratadas não virão necessariamente da área de software. A companhia vai garimpar mulheres em áreas como psicologia, arquitetura e filosofia.

O valor do investimento não é revelado, mas os gastos de criação concentram-se em pessoal, diz Chaverot. "Nos três primeiros anos, 40% dos custos são em formação", afirma.

A previsão é de que o estúdio entrará em funcionamento em agosto. Até lá, Chaverot pretende conversar com universidades, órgãos do governo e fontes de financiamento. É um trabalho que ele já começou. Os objetivos incluem estabelecer acordos de formação de mão-de-obra e redução de custos, como os relacionados à importação dos equipamentos necessários para criar jogos para consoles. Depois, ele ainda terá de entrevistar pessoalmente todos os selecionados às vagas. Sua fluência em português nunca será tão desafiada.