Título: Cnen e Eletronuclear vêem "erro" em licença para Angra 3
Autor: Rittner , Daniel
Fonte: Valor Econômico, 24/07/2008, Brasil, p. A6

Odair Gonçalves, presidente da Cnen: "Nós temos 60 anos para fazer isso" A Comissão Nacional de Energia Nuclear (Cnen) e a Eletronuclear pretendem discutir com o Ibama uma flexibilização da exigência de "solução definitiva" para o lixo atômico produzido nas usinas brasileiras. Para elas, houve "confusão" e "problemas de linguagem" na licença prévia dada ontem para Angra 3. A autarquia exige o início das obras de um depósito final para rejeitos de alta radioatividade antes da entrada em funcionamento do novo reator nuclear.

"Não é razoável o lixo atômico ficar onde está", disse ontem o ministro do Meio Ambiente, Carlos Minc, ao detalhar as 60 exigências impostas na licença. Ele admitiu que nenhum país do mundo tem uma "solução superdefinitiva", mas também deixou claro que não permitirá a permanência dos rejeitos de alta atividade (basicamente o combustível já usado para gerar energia) "naquela piscina azul a 50 metros do mar". Minc referia-se às piscinas especiais com resfriamento dentro das usinas de Angra 1 e 2, que têm capacidade para preservar os resíduos até 2021.

Esse é o chamado depósito inicial de rejeitos de alta atividade e a Eletronuclear deverá ampliá-lo na próxima década, para permitir que ali seja estocado o material das três usinas de Angra até o "descomissionamento" (fim de sua vida útil) da última delas, daqui a aproximadamente 60 anos.

O depósito final é outra história e envolve debates mais complexos. "Se os ambientalistas chamam de solução definitiva o desaparecimento definitivo dos rejeitos, então isso não existe", explica o presidente da Associação Brasileira de Energia (Aben), Francisco Rondinelli. "Mas já existem soluções técnicas para confinar os rejeitos de forma tratada e segura, em lugar 100% isolado, o que representa tratamento por mais de 500 anos, sem perigos à sociedade", observa Rondinelli. Para ele, Ibama e Ministério de Minas e Energia "não estão falando a mesma língua".

Com a exigência definida na licença prévia, a Cnen deverá acelerar os estudos para a construção de um protótipo de abrigo "intermediário de longa duração". Trata-se de um local para armazenar, por vários séculos, os rejeitos de alta radioatividade debaixo da terra, numa espécie de colméia, com estrutura de granito, que guardaria cápsulas de aço inoxidável, soldadas e lacradas, com o lixo dos reatores.

Países como Suécia e EUA, com o projeto de Yucca Mountain, já têm experiências mais avançadas. A questão é que o Brasil tem muito menos escala na produção de rejeitos nucleares para justificar a existência de tais depósitos. O presidente da Cnen, Odair Dias Gonçalves, observa que antes é preciso ter duas definições: uma política nuclear de médio e longo prazos - capaz de estimar a quantidade de lixo atômico a ser produzido no futuro - e até mesmo o que fazer com esses resíduos. A França é um dos países que estuda formas de reprocessar o combustível utilizado na geração, que ainda detém 40% de material reaproveitável.

Gonçalves diz que até o fim de 2010, último ano do governo Lula, pretende ter o arcabouço legal e o projeto detalhado - inclusive com localização exata - dos futuros depósitos finais de rejeitos de baixa e média radioatividade (como luvas, aventais, resinas de purificação de água e filtros de ar). A Cnen já tem um rascunho de projeto de lei para a criação da Empresa Brasileira de Rejeitos Radioativos, que deverá ser vinculada ao Ministério de Ciência e Tecnologia.

A intenção da Cnen, responsável pela regulação e fiscalização do setor, é encaminhar a proposta para discussão no recém-criado comitê de 11 ministros que discutirá o andamento do programa nuclear brasileiro. A Cnen quer mudar a lei de compensação financeira aos municípios que abrigam esses resíduos, a fim de aumentar os valores previstos e estimular prefeituras a receber os futuros depósitos, desde que estejam fora de zonas urbanas e sem riscos sísmicos. A nova estatal deve ser financeiramente auto-sustentável e abrigar materiais usados não só nos reatores, mas em hospitais e indústrias.

Gonçalves reconhece que há dificuldade em dar início à construção do depósito de alta radioatividade antes do término das obras de Angra 3. "Nós temos 60 anos para fazer isso, guardando o combustível com plena segurança."