Título: EUA desafiaram escuridão
Autor: Berry , John M.
Fonte: Valor Econômico, 24/07/2008, Opinião, p. A13

Sim, a economia dos Estados Unidos tem um monte de problemas, entre os quais o declínio dos gastos com as folhas de pagamento, a maior inflação em 17 anos, a queda nos preços residenciais e um setor financeiro instável. A confiança dos consumidores caiu até o porão, em parte pelo custo da gasolina, que subiu tanto a ponto de estar matando as vendas de utilitários esportivos. Se não fossem os cheques de devolução de impostos, talvez os consumidores tivessem até deixado de gastar em outros itens. No entanto, ainda assim gastaram.

O dólar também está em baixa, alimentando a inflação, mesmo de mercadorias provenientes da China. Com tudo isso, a economia dos EUA expandiu-se no segundo trimestre e não foi pouco, considerando os vários freios ao crescimento. Mesmo com tudo indo mal - incluindo Wall Street oficialmente em tendência de baixa - o índice anual de crescimento no segundo trimestre ficou em torno a 2,5%. O número é tão alto quanto muitos economistas avaliam ser possível crescer de forma sustentada, sem gerar mais inflação.

Parte do resultado pode ser atribuída às exportações, que decolam ao mesmo tempo em que as importações se desaceleram. Isso faz grande diferença no crescimento econômico dos EUA. "O segundo trimestre parece estar, na verdade, melhor do que o esperado", afirmou o presidente do Federal Reserve (Fed, o banco central dos EUA), Ben S. Bernanke, em testemunho ao Congresso, em 15 de julho. "Estamos vendo o restante do ano com provavelmente crescimento positivo, embora certamente não crescimento robusto."

Apesar do nervosismo e suor nas mãos, a economia dos EUA não está atolada em uma recessão - e isso não é apenas uma questão técnica de definições. É uma questão de quantos empregos poderão ser perdidos enquanto o país se vira para sair da confusão criada pelo estouro da bolha imobiliária, a decorrente turbulência dos mercados financeiros e a disparada dos preços das fontes de energia.

Em audiência no dia 16 de julho, o deputado democrata por Massachusetts Barney Frank, presidente da Comissão de Serviços Financeiros da Câmara, observou que "se os números do emprego na segunda metade não forem melhores do que os da primeira, caminhamos para perder quase 1 milhão de postos neste ano". Isso é verdade, ainda que, com 138 milhões de pessoas nas folhas de pagamento, representaria perda entre 0,75% e 1%. Os cortes de postos de trabalho em períodos de recessão normalmente são muito maiores. Em 2002, após o fim da recessão passada, a perda de empregos em 12 meses foi de mais de 2 milhões, segundo a Agência de Estatísticas de Trabalho. O atual índice de desemprego, de 5,5% tanto em maio como em junho, é cerca de 1 ponto porcentual maior do que no primeiro semestre de 2007 e deverá aumentar, a menos que a expansão econômica seja maior do que a prevista atualmente.

-------------------------------------------------------------------------------- O declínio nas folhas de pagamento é sintoma de desaceleração, mas desta vez, são os ganhos de produtividade que estão fazendo a diferença --------------------------------------------------------------------------------

O declínio nas folhas de pagamento normalmente é um sintoma de desaceleração do crescimento econômico. Ganhos pesados na produtividade fazem a diferença desta vez, em contraste com desacelerações passadas, nas quais costumava cair. Quando a agitação do mercado financeiro intensificou-se, em agosto passado, e o setor imobiliário virou de direção violentamente, o crescimento parecia dirigido a bater no muro. O PIB de 4,9% no terceiro trimestre praticamente estagnou nos últimos três meses do ano, com avanço de 0,6%. O primeiro trimestre deste ano foi um pouco melhor, com 1%.

Com a desaceleração da demanda, as empresas rapidamente cortaram o número de horas de trabalho dos funcionários. Evitaram o aumento dos estoques e ajudaram a manter os lucros. A redução das folhas de pagamento apenas foi possível porque os que ainda estavam no trabalho produziram mais.

No quarto trimestre, as empresas fora do setor agrícola elevaram a produção em 0,2%, enquanto o número de horas trabalhadas por seus funcionários caiu 1,6%. Resultado: a produtividade aumentou 1,8%. Os números do primeiro trimestre foram ainda melhores - alta de 0,7% na produção, queda de 1,8% nas horas e elevação de 2,6% na produtividade.

Os ganhos de produtividade e o declínio das horas trabalhadas foram muito maiores na indústria do que em outros setores, destacou Bernanke em uma das audiências. Mesmo quando a produção das fábricas está em alta - e nos últimos 12 meses houve queda de 0,6% - há perda de empregos, afirmou Bernanke, "porque o setor industrial dos EUA é imensamente produtivo e a produtividade vem crescendo mais rapidamente do que o resto da economia."

Na recessão de 2001, provocada por uma forte retração dos investimentos empresariais, houve vários meses nos quais a produção das fábricas caiu 0,6% ou mais. Às vezes, parece que perdemos o senso de perspectiva sobre o estado da economia. O crescimento certamente não é bom e não há garantias de que não piorará. As famílias que perdem as casas em execuções hipotecárias indubitavelmente sentem intensamente o problema. Como disse em recente coluna, a maior parte dos cortes que tinham de acontecer na construção residencial já ficou para trás. E alguns analistas começam a sugerir que o pior para as grandes instituições financeiras, como Citigroup Inc. e Bank of America Corp., também já pode ter passado.

John M. Berry é colunista da "Bloomberg News".