Título: Cinquentões sem filhos compram mais
Autor: Cunha , Lílian
Fonte: Valor Econômico, 24/07/2008, Empresas, p. B4

Quando a reportagem do Valor ligou para Maria Inês Presotti Luchini ela estava no salão de beleza. "Estou dando um trato no cabelo antes de entrar na faca", disse ela, que amanhã fará pela primeira vez na vida uma lipoaspiração e plástica para levantar os seios. A loira de olhos azuis e sempre sorridente diz que adora caminhar na praia. Faz dança moderna dois dias por semana, treina musculação até quatro vezes, e ama fazer compras.

"Agora tenho tempo para mim. Gosto de me cuidar", diz. Com base nessa descrição, quantos anos o leitor acha que Inês tem? Quarenta? Quarenta e cinco? Na verdade, Inês já está no que muita gente chama de meia idade, ou seja, os 50 anos. E é essa a faixa da população na qual o consumo tem crescido mais, segundo uma pesquisa feita pela Nielsen. Nos primeiros meses de 2008 as pessoas com mais de 50 anos consumiram quase quatro vezes mais que a média dos consumidores. Enquanto o aumento de consumo ficou em de 4,8% entre os consumidores em geral, eles marcaram alta de 17,9%.

O problema é que, nem Inês, nem boa parte das pessoas com essa idade, têm muito a ver com o estereótipo de quinquagenário que temos: algo mais para a atriz Laura Cardoso do que para a sua colega Christiane Torloni. Só que Laura, na verdade, tem 80 anos. E Christiane, embora não pareça, tem 51.

"Os homens e as mulheres na casa dos 50 anos hoje correspondem ao pessoal que tinha 30 há décadas atrás. São gente muito mais jovem, apesar da idade numérica. Isso porque as pessoas estão demorando mais para envelhecer", explica João Carlos Basílio, presidente da Associação Brasileira da Indústria de Higiene Pessoal, Perfumaria e Cosméticos, a Abihpec.

Esse grupo de consumidores, que a Nielsen chama de maduros, são, basicamente, casais de classe média e média baixa que moram sozinhos, ou seja, sem filhos ou com os pimpolhos já criados e encaminhados. "Daqui para frente, a mídia, a indústria e o varejo devem focar mais nesses consumidores", diz Patrícia Moraes, coordenadora de marketing da Nielsen. "Demograficamente, essa faixa da população vai ser a mais numerosa", acrescenta. Hoje, calcula-se que entre os brasileiros com mais de 50 anos haja 34 milhões de pessoas. Segundo dados da Fundação Sistema Estadual de Análise de Dados (Seade), essa faixa etária crescerá 80% nos próximos 20 anos somente no Estado e São Paulo. "É um grupo já significativo e que está começando a se impor como um dos consumidores com maior força. A tendência é que isso se acentue ainda mais", diz Patrícia.

Essa força de consumo, segundo a Nielsen, está se refletindo na compra de produtos como artigos de beleza (tintura de cabelo e protetores solares) e os relacionados ao bem-estar (como sucos concentrados). Até a alimentação dessa nova geração de 50 anos é diferente. Para aproveitar mais o tempo, muitos aderiram aos sanduíches. Por isso há mais gente nessa faixa etária, segundo a Nielsen, comprando catchup (a penetração aumentou quase 6% para essa faixa enquanto subiu menos de 1% para o resto da população).

Quanto antes a indústria, a mídia e o varejo perceberem essa mudança social, melhor será para a economia, segundo Carla Vaselli, diretora de atendimento da Research International. "A indústria farmacêutica, por exemplo, está investindo mais em estética com foco nesse consumidor", afirma ela. Tanto é que o Mantecorp, laboratório fabricante do antialérgico Celestamine, lançou há alguns meses sua linha News Care de produtos para o corpo, pele e cabelos.

Outro exemplo é a fabricante de calçados Picadilly. "Sempre fizemos calçados para senhoras, mas naquele estilo 'basicão': preto e salto anabela de cinco centímetros", diz a diretora de desenvolvimento de produtos da empresa, Ana Carolina Grings. Mas há três anos a Picadilly resolveu rejuvenescer sua linha. "Continuamos fazendo sapatos para um público que precisa de conforto. Mas as linhas agora não lembram em nada sapatos para senhoras", afirma ela. Há modelos de bico fino, de salto baixo, alto, dourados, prateados. Mas a forma é feita para um pé mais inchado. "As pessoas de 50 ou mais não querem parecer que têm 50. Se o produto é rotulado para 'velhos', elas não compram", acrescenta. Com isso a produção da Picadilly vai passar este ano de 8 milhões de pares para 10 milhões.