Título: Financiamento para a infra-estrutura é desafio
Autor: Lucchesi , Cristiane Perini
Fonte: Valor Econômico, 24/07/2008, Especial, p. F4

Coutinho: "Teremos de usar de criatividade para encontrar mecanismos domésticos para obter recursos de longo prazo" O grande desafio para o Brasil neste momento é encontrar formas que permitam o financiamento do investimento necessário ao crescimento da economia em meio à séria crise externa, que ainda deve perdurar por um bom tempo tornando os mercados voláteis e mais difíceis. Essa foi uma das conclusões do seminário "Crise Financeira Internacional e Crescimento da Economia Brasileira", realizado ontem no Hotel Hilton, em São Paulo.

"Teremos de usar de criatividade para encontrar mecanismos domésticos para encontrar recursos de longo prazo para financiar o investimento em infra-estrutura de forma a suportar o crescimento", disse o presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), Luciano Coutinho, uma dos palestrantes no evento.

O desafio inclui também formas para financiar o próprio BNDES, que tem visto a demanda por seus recursos crescer, a ponto de o Tesouro ter feito um empréstimo de R$ 15 bilhões para o banco, em dezembro de 2007 e janeiro deste ano. "Há o desafio do funding do BNDES, que tem de fazer frente a R$ 110 bilhões em projetos aprovados em 12 meses até maio, 24% acima do mesmo período anterior", lembrou Coutinho.

Ele destacou que o banco captou US$ 1 bilhão no mercado externo em maio, logo após o Brasil obter o grau de investimento, no dia 30 de abril, antes de a janela de oportunidade se fechar. "Ela voltará a se abrir mais à frente e o grau de investimento ajuda na blindagem contra a crise externa", comentou Coutinho.

Mas, "só o BNDES não é suficiente, e o apoio do mercado é fundamental", disse Coutinho. Ele informou que o governo até criou um grupo interministerial, do qual o BNDES participa, para se debruçar sobre o assunto de como financiar investimentos, e que deverá apresentar novas propostas "em breve".

Coutinho afirmou que serão levantadas sugestões com relação ao petróleo descoberto nas bacias de pré-sal pela Petrobras, como a revisão de marco regulatório, criação de um fundo de investimento para investimento no setor e securitização. "O petróleo lá embaixo vale US$ 10 a US$ 15 o barril", disse.

"Como obter recursos tem sido o grande problema do investimento", concorda Paulo Godoy, presidente da Associação Brasileira de Infra-estrutura e Indústrias de Base (Abdib). Godoy defende a criação de um grande fundo que lastreie na forma de garantias títulos de longo prazo emitidos para o financiamento a serem comprados por investidores. Os recursos do fundo, na sua visão, poderiam vir do superávit fiscal primário.

Na sua visão, dada a grande carência acumulada e mantido o ritmo atual de investimento em portos, aeroportos, estradas de ferro, rodovias e metrôs, a falta de infra-estrutura "vai acabar por coibir o sucesso de crescimento econômico no Brasil."

Crescimento econômico que deve se manter, apesar da retração nas economias dos EUA e da EUA e do aumento de juros básicos que o Banco Central está promovendo. "A alta dos juros é necessária para conter a inflação", fez questão de frisar Coutinho. Ele acha que a alta nos preços dos commodities, com destaque para o petróleo e alimentos, já atingiu a inflação de atacado e vai atingir o varejo. "Mas as expectativas de inflação estão sob controle e devem continuar assim, de forma a não afetar negativamente as decisões de investimento", afirmou ele.

Ele considera que os investimentos devem continuar a se expandir em um ritmo forte, de duas vezes o crescimento do Produto Interno Bruto, mesmo com a Selic em alta. "Haverá um impacto, mas moderado", avalia. Com isso, a utilização da capacidade instalada deverá manter-se em níveis altos, mas estáveis e "estimulantes ao investimento.

Para Coutinho, o sistema bancário nacional não está contaminado pela crise de solvência e liquidez nos grandes bancos internacionais. As empresas brasileiras estão capitalizadas e com condições de financiar seus investimentos com recursos próprios. E o mercado de capitais, apesar das maiores dificuldades, vai continuar a apresentar janelas de oportunidades. "Os investimentos no Brasil têm taxa de retorno atrativos", afirmou.

O presidente da CPFL, Wilson Ferreira Júnior, lembrou que o país tem hoje um marco regulatório adequado no setor de energia, que permite um planejamento de longo prazo, e está realizando leilões de energia e investimentos de vulto, como as usinas de Santo Antônio e Jirau, no rio São Francisco. "Isso faz com que os investidores peçam taxas de retornos menores, pois têm uma percepção de risco menor, e as tarifas acabam ficando menores para os clientes", afirmou o executivo. Segundo ele, com a maior oferta de energia, "não há riscos para a sociedade, que pode ter a garantia de um atendimento pleno", disse.

Para Paulo Francini, diretor do Departamento de Economia da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), para manter os investimentos privados, é importante que os empresários percebam que a crise atual não vai significar uma "descida de ladeira" no crescimento, mas apenas um solavanco. Nesse sentido, um grande programa de investimento em infra-estrutura ajudaria muito.