Título: Amorim pede moderação à China para manter G-20 unido
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Fonte: Valor Econômico, 23/07/2008, Brasil, p. A3

O Brasil, na liderança do G-20, pediu ontem para a China mostrar flexibilidade na negociação agrícola na Rodada Doha. Isso significa moderar suas demandas para frear importações agrícolas, o que causa reações fortes de alguns membros do grupo. A discussão sobre mecanismos para manter a unidade do G-20 fez parte de reunião entre o ministro das Relações Exteriores do Brasil, Celso Amorim, e o ministro de Comércio chinês, Chen Deming, à margem das negociações na Organização Mundial do Comércio (OMC).

Amorim disse ao representante chinês que tem de haver moderação na designação de "produtos especiais" (que terão corte tarifário menor) e, sobretudo, para o uso do mecanismo de salvaguarda especial, pelo qual a China e outros querem bloquear um súbito aumento de importações ou uma queda de preços agrícolas.

Ele pediu a Pequim "atitudes construtivas" para encontrar soluções para o problema. E observou que o Brasil, na coordenação do G-20, não se associou a nenhuma proposta sobre os dois temas, para manter a unidade do grupo. Metade das exportações agrícolas do Brasil, estimadas em mais de US$ 60 bilhões este ano, vai para países em desenvolvimento e o setor privado pediu para o Itamaraty ser especialmente atento sobre o gatilho que deflagrará a salvaguarda.

Um porta-voz chinês disse que o ministro Chen Deming concordou com Amorim em trabalhar juntos "para preservar a unidade do G-20''. E acrescentou que Pequim "aprecia o papel de liderança do Brasil na negociação de Doha", e que os dois países vão colaborar nas discussões desta semana em vista de um acordo. Para negociadores, sem o G-20 os países em desenvolvimento estariam desarticulados e mais expostos às pressões dos Estados Unidos e da União Européia.

As diferenças dentro do G-20 são persistentes quando se trata de acesso ao mercado. Parte dos membros também participa do G-33, como China, Índia e Indonésia. Esse grupo quer designar 8% das linhas tarifárias agrícolas como "produtos especiais", que não teriam corte nenhum, para manter proteção de setores destinados à segurança alimentar, sustento da população e desenvolvimento rural.

O elemento mais controverso é a ampla flexibilidade para utilizar o mecanismo de salvaguarda especial, desejada pela China, Índia, Indonésia e outros emergentes. O mediador da negociação agrícola, Crawford Falconer, alertou mais de uma vez que essa salvaguarda tem todo o potencial para se transformar no elemento que pode implodir a Rodada.

Esta semana, o Paraguai e o Uruguai, membros do G-20, denunciaram como "totalmente inaceitável" para as pequenas economias a maneira como o G-33 quer deflagrar o mecanismo de salvaguarda especial. Exemplificaram que a China poderá acionar a salvaguarda e impor sobretaxa sobre 70% a 80% de suas importações agrícolas, já que elas vêm aumentando rapidamente no rastro do crescimento econômico chinês. O maior exemplo é a soja, com expansão de 48% ao ano. Nesse caso, a tarifa atual de 3% poderia chegar a até 18% se as negociações de Doha levarem em conta o que China, Índia, Indonésia e outros desejam, e se Pequim quiser restringir suas compras.

As discussões sobre a negociação global só tomaram 10% da conversa entre Amorim e Deming. A maior parte do tempo foi mesmo sobre as relações bilaterais. Amorim conclamou o colega chinês a abrir seu mercado para mais produtos agrícolas brasileiros, incluindo as carnes. Ele argumentou que o Brasil passou a acumular déficit considerável no comércio bilateral, depois de anos de superávit. E que para equilibrar a situação, vale aumentar os esforços para conciliar a necessidade chinesa de combater a inflação provocada pela alta dos preços dos alimentos, com o potencial brasileiro de exportações agrícolas.

Amorim pediu para Pequim estimular investimentos que agregam valor. O interesse pelo etanol foi destacado. (AM)