Título: Labirinto da reforma política
Autor: Maakaroun, Bertha
Fonte: Correio Braziliense, 28/02/2011, Política, p. 6

Distritão, distrital com maioria simples, distrital misto, sistema proporcional com lista fechada, proporcional com lista flexível. Nomes ininteligíveis para boa parte do eleitorado e até para grande número dos parlamentares estarão na mesa de negociações da reforma política, que volta a ser discutida no Congresso Nacional. Um debate complexo, que pode se diluir em meio aos interesses de políticos mais preocupados com a possibilidade de flexibilizar a fidelidade partidária e garantir a própria sobrevivência em práticas tradicionais. Há poucos formuladores, mas propostas não faltam. Muitas baseadas em sistemas marcados por distorções constatadas pela experiência internacional. Com a palavra, o Japão, que em 1994 abandonou o voto único não transferível ¿ ou distritão ¿ em decorrência do personalismo, do enfraquecimento dos partidos, do clientelismo e da corrupção.

Mais uma vez, no Congresso, as posições se dividem entre poucos formuladores interessados em discutir o tema. O baixo clero acompanha o debate de longe. A prevalecer o princípio da inércia, para esses, melhor que tudo fique como está. ¿Mais do que discutir reforma política, os parlamentares estão interessados e gastam 80% de seu tempo na liberação de emendas parlamentares, com uso da influência política nos ministérios, em vez de privilegiar o debate de interesse coletivo¿, pontua o deputado federal Ricardo Berzoini (PT-SP).

O tema é árido e desgosta a maioria dos parlamentares. Depois de acompanhar em 2007 a derrota da proposta do sistema de lista fechada ¿ à qual está alinhavado o financiamento público das campanhas ¿ o deputado federal Ronaldo Caiado (DEM-GO), então presidente da comissão especial que debateu por anos a reforma política, desabafa: ¿Vai ser muito difícil construir um consenso. O PSDB era distrital, agora tem proposta de distrital misto. O PMDB e o PP querem o distritão, mas o que motiva esse debate da reforma política é a janela para o retorno do troca-troca partidário¿. Ou seja, a abertura para que políticos troquem de legenda entre as eleições.

Para o democrata, que ao lado dos petistas e do PCdoB defende o sistema de lista fechado, a proposta da janela provoca menos dissenso do que sugerem as declarações de parlamentares. ¿Poucos assumem, mas é o que mais importa para a maior parte¿, acrescenta. O by pass na fidelidade partidária instituída a fórceps pelo Supremo Tribunal Federal (STF) será vitorioso ao fim do debate, garante Caiado: ¿Daí a pouco não haverá acordo com o distritão, nem com o distrital, nem com a lista fechada, nem com o financiamento público. Vai haver um destaque para passar apenas a emenda da janela¿.

Opiniões divididas A janela divide as declarações públicas de petistas, tucanos, peemedebistas, pepistas, verdes, entre outros que se acotovelam para defender ou condenar uma forma de permitir aos políticos escapar do ¿engessamento¿ a que estão sujeitos por força da judicialização da política. No entanto, não é nesse quesito que a polêmica reforma política se agudiza. ¿O tema é dificílimo. Defendo que não se crie ilusões de comissões, que não terão matéria-prima para trabalhar enquanto não houver, entre os oito maiores partidos políticos, algum nível de entendimento sobre a forma de eleger deputados e senadores¿, afirma Ricardo Berzoini, em referência à comissão especial instalada no último dia 22 no Senado.

Se entre democratas a preferência pelo sistema de lista fechada divide opiniões com parlamentares que apoiam o voto distrital misto, no PSDB a proposta do voto distrital puro, a princípio defendida pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso e pelo ex-governador José Serra, evoluiu para um modelo misto, dada a dificuldade de aprovação na Câmara e no Senado, segundo o senador Aécio Neves (PSDB), que integra a comissão especial para o debate do tema na Casa.

Financiamento público

» Em estudo comparativo quanto ao financiamento das campanhas verificado em 96 democracias do mundo, o pesquisador e cientista político Vitor de Moraes Peixoto demonstra que o Brasil está entre os 18 países do mundo que mais dão suporte público às campanhas. Ao lado do Brasil, estão: Argentina, México, Itália, Japão, Colômbia, Espanha, Portugal, Romênia e Suécia.

» No outro extremo, há 28 países em que não existe nenhum nível de financiamento público aos partidos políticos e às campanhas. Entre eles estão a Finlândia, Venezuela, Bulgária e Estados Unidos.

Acesso à mídia

» Especializado em financiamento de campanhas, o cientista político e pesquisador Mauro Macedo Campos demonstra que nas eleições presidenciais no Brasil do ano passado, o Estado deixou de arrecadar R$ 890 milhões, com a isenção fiscal conferida às empresas de mídia pela cessão do horário destinado à propaganda gratuita. Se os partidos tivessem de pagar pelo horário da propaganda política, teriam desembolsado algo em torno de R$ 6,2 bilhões.

» Além do Brasil, apenas o Chile em todo o mundo dá aos partidos políticos o acesso inteiramente gratuito ao tempo de televisão e rádio. No caso brasileiro, as legendas também têm acesso gratuito à propaganda partidária.

» Segundo Mauro Macedo Campos, há países que dão aos partidos o benefício da propaganda gratuita, também abrindo a possibilidade da compra desse espaço no mercado. Entre eles estão a Argentina, a Colômbia, o Uruguai, a França, o Canadá e a Alemanha.

» Há também países em que o acesso à propaganda política é inteiramente pago, como ocorre nos Estados Unidos e na Inglaterra.

Eleições no mundo

Conheça os sistemas em vigor, como é o financiamento público e o acesso à mídia pelos partidos

Sistemas Eleitorais

Majoritário (Voto distrital) » É o mais simples entre os sistemas eleitorais. O território é dividido em circunscrições eleitorais (distritos). Cada partido lança um candidato por distrito. Aquele que obtém mais votos conquista a cadeira, independentemente do respaldo eleitoral obtido pelo partido/candidato segundo colocado na disputa. Entre os países que adotam o sistema majoritário para as eleições legislativas, há três critérios: maioria simples, dois turnos e voto alternativo.

Maioria Simples: (Reino Unido, Estados Unidos, Canadá, Índia, Bangladesh, Malaui e Nepal.)

» Os distritos têm, em geral, aproximadamente 70 mil eleitores. Ganha a cadeira quem tem mais votos.

Dois turnos: (França, Mali)

» Se nenhum dos candidatos obtiver mais da metade dos votos no primeiro turno das eleições, há segundo turno.

Voto alternativo: (Austrália)

» Os partidos podem apresentar um candidato por distrito. O eleito obtém necessariamente a maioria absoluta dos votos do distrito em um único turno. Isso é possível porque o voto só é considerado válido se o eleitor ordenar todos os candidatos segundo a sua preferência. É eleito o que conquista mais da metade dos votos em primeira preferência. Se isso não ocorrer, há transferência dos votos do candidato menos votado, que é eliminado. O processo de transferência só é interrompido quando um dos candidatos conquista a maioria absoluta.

Proporcionais

» Os sistemas proporcionais buscam assegurar que o parlamento reflita a pluralidade de opiniões e garantir a correspondência matemática entre os votos obtidos por partidos e o tamanho de sua representação no Legislativo. Há duas variantes: o voto em lista e o voto único transferível.

Voto em lista » Procura garantir equivalência entre os votos obtidos por candidatos de um partido e as cadeiras conquistadas por esse partido no parlamento. Na distribuição, é calculada uma quota ¿ ou quociente ¿ que cada partido deve atingir para estar representado no Legislativo. Nesse sistema, a lista pode ser aberta, fechada ou flexível e, na Suíça, livre.

Aberta: (Brasil, Finlândia, Polônia e Chile)

» Cada partido apresenta uma lista de candidatos não ordenada, e o eleitor vota em um dos nomes ou na legenda, no Brasil. Ao mesmo tempo em que o voto nominal ¿ dado ao candidato ¿ ajuda o partido a superar o quociente eleitoral, também beneficia o candidato, já que, depois de definido o número de cadeiras conquistadas pelo partido, são eleitos os mais votados da lista.

Fechada: (Argentina, Bulgária, Portugal, Moçambique, Espanha, Turquia, Uruguai, Colômbia, Costa Rica, África do Sul e Paraguai)

» Os partidos decidem antes das eleições os candidatos que integrarão a lista e os ordena. O eleitor escolhe a lista do partido e não manifesta preferência por nenhum nome. São eleitos os primeiros da lista, de acordo com o número de cadeiras conquistado pelo partido.

Flexível: (Bélgica, Holanda, Dinamarca, Grécia, Áustria, Noruega e Suécia)

» O eleitor pode intervir no ordenamento dos candidatos da lista feito pelos partidos antes das eleições. Se concordar com a ordem, vota no partido. Caso contrário, indica a preferência por determinados candidatos ou reordena a lista segundo a sua preferência.

Voto único transferível (Câmara Baixa da Irlanda)

» Cada partido pode lançar o número de candidatos equivalente às cadeiras destinadas à representação daquele distrito. Os eleitores ordenam as suas preferências na cédula, independentemente do partido do candidato. Com isso, o eleitor tem o controle sobre o processo de transferência de seu voto. Na apuração, é calculado quociente eleitoral que deve ser atingido para que um candidato se eleja. O candidato que atinge em primeira preferência a quota é eleito e, a partir daí, são transferidos os votos excedentes.

Mistos

» Apresentam aspectos da representação proporcional e da representação majoritária. A combinação mais frequente é a representação proporcional de lista com o sistema de maioria simples. Garante a representação de um certo número de parlamentares em distritos de um só parlamentar majoritário. Ao mesmo tempo, mantém a proporcionalidade da representação partidária.

De superposição (Coreia do Sul, Taiwan e Tailândia, Rússia, Ucrânia, Lituânia e Japão)

» Há duas fórmulas independentes. O eleitor dá dois votos: um no candidato que disputa no distrito e outro na lista partidária. Assim, parte dos parlamentares são eleitos por maioria simples em distritos de um só parlamentar. A outra parte é eleita pela representação proporcional.

De correção (Alemanha, México, Itália, Nova Zelândia, Venezuela, Filipinas, Bolívia e Hungria)

» Adotam duas fórmulas associadas. As cadeiras do Legislativo são distribuídas proporcionalmente aos votos dados na lista. Do total de cadeiras obtidas pelos partidos, são subtraídas as que o partido conquistou nos distritos com eleição majoritária de um candidato. A diferença é ocupada pelos primeiros candidatos da lista.

Fonte: jairo Nicolau, ¿Sistema Eleitorais¿ (FGV)