Título: Iluminação noturna esconde o céu e afeta a vida
Autor: Hotz , Robert Lee
Fonte: Valor Econômico, 25/07/2008, Internacional, p. A10

Em todo o mundo, o céu noturno está desaparecendo sob um névoa de luz artificial, o que uma coalizão de naturalistas, astrônomos e pesquisadores de medicina considera uma das formas de poluição que mais cresce e que tem conseqüências inesperadas sobre a vida animal, a saúde das pessoas - e o espírito humano.

Cerca de dois terços da população mundial, inclusive quase toda a América do Norte e a Europa, não vê mais um céu estrelado onde mora. Em boa parte do mundo, nunca escurece o bastante para o olho humano se ajustar à visão noturna, relatou uma equipe de pesquisa internacional que mapeou a geografia da iluminação noturna.

"Nossas crianças crescem sem ver aquela que possivelmente é a maravilha natural mais extraordinária", diz o astrônomo italiano Fabio Falchi, um dos pesquisadores italianos e americanos que usaram imagens de satélites militares para compilar o primeiro abrangente atlas mundial de claridade do céu noturno, pesquisa de 2001 publicada na revista "Monthly Notices" da Real Sociedade Astronômica.

Uma paisagem noturna natural se tornou coisa rara. Em Borrego Springs, Califórnia, pequena cidade americana cercada por 250.000 hectares de deserto no maior parque ecológico do Estado, o céu da meia-noite se tornou atração turística. Numa noite clara, a cortina de estrelas quase parece tocar o chão.

Astrônomos há muito fazem lobby por reformas de iluminação que preservem sua capacidade de estudar o universo por meio do comprimento de ondas no céu noturno. "Nós convertemos a luz das estrelas em conhecimento", diz Dan McKenna, superintendente do Observatório Palomar nas montanhas a 96 km de San Diego.

A Associação Internacional do Céu Noturno, IDA na sigla em inglês, fundada por astrônomos 20 anos atrás para promover iluminações que preservem o céu, já recrutou 12 mil membros em 75 países. "Queremos boa iluminação, não iluminação nenhuma", diz Peter Strasser, diretor técnico da IDA. Especialistas da entidade estão se reunindo hoje com assessores parlamentares em Washington para expor suas preocupações.

Mas essa brigada da luz precisa acompanhar o crescimento da população, o desenvolvimento urbano e a mutante tecnologia de iluminação. Nas cidades iluminadas onde hoje mora metade da população, uma meia dúzia de estrelas talvez sejam visíveis num céu limpo. Nas áreas rurais mais escuras, cerca de 2.000 estrelas costumam ser visíveis - só metade do número visto em séculos passados. "Onde quer que você olhe, há um brilho, até nas noites mais escuras", diz o operador de telescópio de Palomar Karl Dunscombe, que controla o telescópio Hale do observatório, de cinco metros.

Até no Vale da Morte, um dos parques mais intocados dos EUA, o céu noturno tem brilhos de luz urbana. Só a lua brilha mais do que a aura de néon de Las Vegas, a 193 km de distância, relatou Chad Moore, administrador de céu noturno do Serviço Nacional de Parques dos EUA numa edição de "Publications", da Sociedade Astronômica do Pacífico. Depois de receber dados sobre o céu noturno de 45 parques nacionais do país, ele chegou à conclusão de que o clarão de cidades até 320 quilômetros distantes podia visivelmente alterar a paisagem noturna de um parque.

Dito isso, a quantidade de luz artificial em todo o mundo, medida em lúmens per capita, triplicou desde 1970, calculam os pesquisadores italianos. "Quase todas as áreas povoadas do planeta estão poluídas" por luz, diz Falchi.

No mês passado, a epidemiologista Eva Schernhammer, da Faculdade de Medicina de Harvard, e colegas relataram que enfermeiras que trabalhavam regularmente em turnos noturnos tinham uma incidência maior de câncer colo-retal do que mulheres que só trabalhavam de dia. Escrevendo para o "Journal of the Nacional Cancer Institute", Schernhammer concluiu que trabalhar à noite, em revezamento, pelo menos três noites por mês durante 15 anos ou mais pode aumentar o risco de uma mulher contrair câncer colo-retal.

Em janeiro, Itai Kloog, da Universidade de Haifa, em Israel, e pesquisadores da Universidade de Connecticut, dos EUA, relataram que a incidência de câncer do seio entre mulheres que moram em áreas bem iluminadas artificialmente era até 73% maior do que entre aquelas que moram em áreas onde as noites são escuras. Numa publicação de pesquisa biológica e médica chamada "Chronobiology International", eles associaram casos de câncer de mama a níveis de iluminação urbana ao combinar imagens noturnas de satélite da intensidade de iluminação em 147 comunidades em Israel e estatísticas de casos locais de câncer.

Muitos pesquisadores acreditam que exposição crônica à luz artificial afeta a produção noturna normal do hormônio chamado melatonina, que, entre outras coisas, suprime o desenvolvimento de tumores. Apenas duas semanas de exposição noturna intermitente à luz podem reduzir seriamente a produção de melatonina em humanos, demonstram estudos.

Esses estudos não são prova suficiente de que a escuridão nos mantém saudáveis. Os achados foram persuasivos o bastante, porém, para que a Agência Internacional de Pesquisa de Câncer e a Organização Mundial de Saúde acrescentassem turnos noturnos à lista de prováveis cancerígenos.

Seja qual for o efeito sobre as pessoas, a luz noturna é o fim da vida selvagem, diz Travis Longcore, diretor de ciência do grupo ecológico Urban Wildlands em Los Angeles e co-editor de um livro sobre os efeitos da iluminação noturna, "The Ecological Consequences of Artificial Night Lighting".

Noites iluminadas afetam centenas de espécies, de tartarugas marinhas até pássaros, cujos ciclos de reprodução e fluxos migratórios são atrapalhados pelas pistas falsas da luz artificial. Milhões de pássaros morrem a cada ano desorientados pelas luzes das cidades. Apesar desses problemas, pesquisadores ainda carecem de dados confiáveis e sistemáticos sobre a poluição da luz. Só em 2001 Falchi e seus colegas catalogaram pela primeira vez a iluminação noturna mundial. Eles estão trabalhando agora no Centro Nacional de Dados Geofísicos dos EUA, para atualizar sua pesquisa mundial.