Título: Provedores criticam projeto que pretende coibir crimes na web
Autor: Borges , André ; Rahal , Manuela
Fonte: Valor Econômico, 25/07/2008, Empresas, p. B3

Geynel Fragoso Alves, do provedor GHSix: "Se tiver que investir em equipamentos, prefiro abandonar o negócio" Os provedores de acesso à internet decidiram comprar briga com senadores e deputados que estão por trás do Projeto de Lei (PL) 89/2003, que pretende definir os novos tipos de crimes praticados por meio da internet. No centro da polêmica estão os senadores Eduardo Azeredo (PSDB-MG) e Aloizio Mercadante (PT-SP), que reformularam o projeto que acaba de seguir para aprovação na Câmara, após ter passado pelo Senado.

Embora os senadores defendam a tese de que o projeto de lei não embute ameaças à liberdade de informação e à democratização da rede e que trata apenas de "tipificar" os crimes, a Associação Brasileira dos Provedores de Internet (Abranet) afirma que o PL exagera nas exigências e "cria regras que não fazem o menor sentido".

Eduardo Parajo, presidente da Abranet, chega a dizer que, caso as condições impostas no PL entrem de fato em vigor, pequenos provedores do país correm o risco de fechar as portas. "O que se propõe hoje é um exagero", diz Parajo. "Não adianta aprovarmos uma lei que dá doses de elefante para formigas."

Uma das queixas dos provedores diz respeito à exigência de guardar, pelo prazo de três anos, os chamados "logs de acesso", a identificação do instante em que o usuário entra ou sai da rede. A maior parte dos provedores já guarda esses dados por 90 dias, segundo a Abranet. A extensão do prazo, no entanto, exigiria que muitas empresas comprassem novos equipamentos e sistemas de segurança, alega a entidade.

No ano passado, a Abranet chegou a elaborar um estudo em que concluía que a mudança teria um impacto de pelo menos R$ 15 milhões por ano no bolso dos provedores, um setor que hoje reúne mais de 1,7 mil empresas no país. Atualmente, cerca de 85% dos 40 milhões dos internautas do país têm seus acessos vinculados aos 10 maiores provedores da rede, empresas como Universo Online (UOL), Terra e iG. Os demais 15% estão pulverizados em uma nuvem de pequenos provedores que, na maioria das vezes, oferecem outros serviços para aumentar a receita.

"Há dez anos, quando entrei nesse negócio, prover acesso dava dinheiro, mas hoje não dá mais", diz Geynel Fragoso Alves, diretor do GHSix, provedor localizado no bairro da Vila Maria, em São Paulo. Segundo o empresário, que revende o serviço Speedy, da Telefônica, o provedor só ficou de pé porque passou a vender programas usados para facilitar a troca eletrônica de documentos. Se tiver que investir em equipamentos para atender às novas regras de armazenamento, Alves diz que não lhe restará opção. "Eu prefiro parar, senão vou ter prejuízo."

O Projeto de Lei não define como os logs devem ser armazenados. Segundo Eduardo Azeredo, a queixa de aumento de custo não tem fundamento. "Não acredito nisso, o armazenamento pode ser feito até em um disquete", diz.

Júlio Semeghini, deputado federal que apóia a tramitação do projeto na Câmara, diz que os pequenos provedores sempre tiveram o controle desses dados para fazer a cobrança do serviço. "Se há um real aumento de gastos, que apresentem esses custos e vamos discutir", afirma.

O possível aumento de custos preocupa o provedor Supridados, que cobre 12 municípios da região Norte do país. "Por mais que esse tipo de armazenamento não ocupe tanto espaço, ele gera gastos", diz Ruy Martyres de Oliveira, um dos sócios da empresa. "Na situação atual do mercado, isso pode acabar com a gente."

Outro tema que ainda deve render muita discussão diz respeito a quem passará a ser obrigado a guardar os tais logs de acesso. Gil Torquato, diretor corporativo do UOL, afirma que o texto, da forma como foi redigido, abre espaço para a interpretação de que qualquer empresa que tenha computadores em rede terá que armazenar as informações. "Pelo que está definido, até o dono de uma padaria também terá que guardar seus logs, o que é, no mínimo, um absurdo."

Segundo Azeredo, empresas de grande porte, "como Bradesco, por exemplo", terão que guardar os dados por três anos, da mesma forma que um provedor de acesso. "Mas isso não se aplica a um pequeno comércio, ao menos não é a intenção que isso aconteça", diz o senador. O PL não informa, porém, como será feita a distinção entre as empresas que se encaixam e as que não se encaixam nessa regra. "Essa coisa da redação realmente nos preocupa um pouco", comenta Semeghini. "Faremos uma audiência pública para debater isso. É claro que não será preciso ter esse controle geral."

As discussões na Câmara devem começar na primeira semana de agosto. Além de possíveis impactos econômicos, a Abranet reclama que o PL induz os provedores a assumir o papel de investigadores. Hoje, os provedores de São Paulo mantêm um acordo com o Ministério Público para repassar denúncias de supostos crimes de pedofilia e racismo. "Isso é uma obrigação nossa, temos mais de 60 pessoas que ficam o tempo todo cuidando disso", comenta Gil Torquato, do UOL. "Agora, o que fica inviável é termos que verificar e transmitir todo e qualquer tipo de denúncia que recebermos."

Azeredo, no entanto, afirma que os provedores não terão que verificar se o conteúdo da denúncia é ou não pertinente. "Não estamos pedindo que investiguem, apenas que nos transmitam essas informações."

Agora que voltar para a Câmara, o PL não poderá mais ser alterado. A única possibilidade será excluir partes do texto. Para Pedro Paranaguá, professor da escola de Direito da Fundação Getulio Vargas (FGV-Rio), entidade que participou da reformulação do projeto, a versão final do Projeto de Lei não obteve o resultado esperado. "O texto ficou melhor, mas alguns artigos estão vagos e podem dar margem a interpretações variadas."