Título: Futuro planejado
Autor: Guimarães , Andréa
Fonte: Valor Econômico, 25/07/2008, Finanças, p. F1

Executivos de bancos têm uma frase do cineasta Woody Allen que sacam ao deparar-se com clientes mais incautos. "Interessa-me o futuro por que é o lugar onde vou passar o resto da vida." Basta sentar à mesa do gerente e o ensinamento, brincam eles, é um brinde da casa. Essa é a síntese de uma difícil relação entre presente e futuro. Ao homem, satisfazer desejos de consumo imediatos é tão importante quanto construir bases financeiras sólidas para o fim da vida? Nesse dilema, a família brasileira parece ter mudado de postura. Indicadores como a evolução da indústria da previdência privada no país, do mercado de capitalização, além de pesquisas sobre o comportamento do consumidor revelam que pais e filhos já entendem perfeitamente que dinheiro é inelástico. Logo, o planejamento financeiro tornou-se obrigatório. Mais do que isso: cresce o entendimento de que o Estado pode não prover a segurança necessária na velhice. "Há uma mobilização maior entre os integrantes das famílias e em diferentes classes sociais", diz Manuel Lois, diretor da Spinelli Corretora.

Entre os sinais que comprovam esse movimento, dois merecem destaque. Cresce de forma veloz a taxa de expansão do mercado de previdência na camada jovem da população. Além disso, aumenta a participação das mulheres - como chefes da casa e verdadeiros cães de guarda da economia doméstica - no total de planos vendidos ao mercado. Segundo dados da Federação Nacional de Previdência Privada e Vida (Fenaprevi), o público feminino representava 40% dos clientes dos planos de previdência no ano passado. Em 2008, em determinados bancos, essa taxa já superou os 45%. No ano 2000, esse grupo não chegava a responder por um terço do volume.

Ainda de acordo com a federação, o plano que apresentou maior avanço em 2008 foi aquele voltado para menores de idade. A captação no primeiro quadrimestre foi de R$ 582 milhões, com alta de 32,8% ante o mesmo período de 2007. A taxa de crescimento é superior à do setor. Neste ano, o mercado de previdência complementar captou R$ 9,8 bilhões - um aumento de 23%.

Para os especialistas, os pais já entenderam que o planejamento de um futuro tranqüilo para os filhos começa não apenas cedo, mas principalmente em casa. A grande corrida é buscar novas formas de investir recursos por meio de planos e produtos que se adaptem ao perfil da família. Apenas a aplicação em caderneta de poupança está longe de ser o ideal. Nesse processo, o ideal é adotar o máximo de pragmatismo. "Antes de qualquer coisa, é preciso colocar todos os gastos no papel. O brasileiro resiste a isso", diz Roberto Zentgraf, professor e coordenador do MBA em finanças do Ibmec. Ele seleciona quatro passos fundamentais. Primeiramente, os pais precisam listar todas as despesas fundamentais para a sobrevivência, depois, aquelas ligadas ao conforto e, por fim, as supérfluas e as relacionadas a gastos financeiros (como juros e multas).

"Vá cortando de baixo para cima, como se fosse uma pirâmide, e veja em que é possível reduzir gastos. Com o dinheiro que sobrar, planeje a melhor aplicação". Dessa forma, pode-se envolver toda a família na discussão, o que aumenta a probabilidade de o esquema dar bons resultados. "A grande dificuldade é envolver pais e filhos no processo de avaliação do orçamento doméstico. Com os fortes apelos ao consumo, os adolescentes resistem a fazer concessões", diz. Na prática, parte do sucesso do planejamento está na escolha entre gastar ou poupar. Os economistas acreditam que, na busca por status imediato, há consumidores tomando decisões equivocadas. "Não há mágica. Para a maior parte da população, é preciso fazer concessões ou a equação não fecha. O aumento do endividamento neste ano mostra que há famílias pensando apenas no presente", diz Clodoir Gabriel Vieira, economista da Corretora Souza Barros.

O empresário Edgar Muniz Moreira, 39 anos, começou, desde cedo, a discutir com os filhos a questão da relação com o dinheiro. "Eu poupo desde o meu primeiro emprego. Meu objetivo é muito claro: quero ter a vida mais tranqüila possível e falo disso com meu filho", diz. O garoto, João Pedro, tem sete anos de idade. "Vou abrir uma conta para ele numa corretora e comecei a explicar por que alguns papéis de empresas podem ser mais interessantes do que outros."

Moreira evita ceder às investidas de consumo do filho. "Mostro que tudo depende de escolhas. Se quiser gastar, não vai conseguir economizar para ter uma vida melhor na juventude", afirma. Economista, Edgar ensina o que aprendeu. Aos 23 anos, aplicava 25% do seu salário em fundos de renda fixa e depois passou a investir dois terços do que recebia em ações. "Eu poupo porque quero me sentir livre no futuro", diz. Antônio, de três anos, outro filho de Moreira, trilhará o mesmo caminho quando tiver a idade do seu irmão.

No Brasil, cerca de 7 milhões de brasileiros possuem um plano de previdência privada - em 1994, eram 300 mil pessoas. O número atual equivale a menos de 4% da população. No Japão, a taxa ultrapassa 60% e na China, acima de 30%. Para Aura Rebelo, diretora de marketing da Icatu Hartford, o amadurecimento da população em relação ao tema tem sido lento, mas contínuo. "É preciso lembrar que a estabilidade econômica foi conquistada há menos de 15 anos e, desde então, a relação com o dinheiro tem evoluído", diz.

Para fazer esse cliente investir visando um futuro tranqüilo, novos produtos têm sido lançados. A estratégia foi a da segmentação. Ou seja, oferecer um produto para cada etapa da vida. O número de opções é tamanho que o melhor é contatar a área responsável de vários bancos, por meio de pesquisas de preços e condições. Em grandes instituições, os produtos mesclam previdência com uma espécie de seguro educação. Pode ser boa opção para famílias com filhos em idade escolar.

O Bradesco trabalha com planos como o "De Pai para Filho Geração 2". Nele, caso o pai ou a mãe morram, uma renda mensal será revertida ao beneficiário até que complete 24 anos, e que pode ser utilizada no pagamento na mensalidade escolar. Um pai de 30 anos, com um filho de seis anos de idade, que pode contribuir R$ 50 ao mês, garantirá R$ 423 ao mês para o beneficiário. Após atingir essa idade, sobram R$ 10 mil de resgate para o filho iniciar a vida profissional. A taxa sobre a contribuição mensal, porém, chega a 20%. No Itaú, o FlexPrev Proteção Familiar garante renda mensal aos dependentes menores, até os 21 anos de idade, em caso de falecimento dos pais. Para o mesmo pai de 30 anos, com filho de seis, e contribuição mensal de R$ 15 (a mínima exigida pelo banco), fica garantida uma renda de R$ 537 ao mês. Mas a taxa de carregamento vai a 25%. A boa notícia é que há diversos produtos no mercado em que a contribuição mensal não chega a R$ 50.