Título: Setor de saneamento ignora dúvidas na legislação e acelera investimentos
Autor: Maia , Samantha
Fonte: Valor Econômico, 21/07/2008, Brasil, p. A2
Wladimir Ribeiro, assessor do Ministério das Cidades: "Este é um assunto resolvido, não há dúvidas sobre prazos" O medo de que a lei de saneamento travasse os investimentos no setor devido à falta de prazos de transição para os contratos que estavam vencendo não se confirmou. Apenas a Caixa Econômica Federal acertou o financiamento de R$ 2,4 bilhões de janeiro a junho deste ano, valor que já representa 74% do total liberado em 2007. A saída encontrada pelo Ministério das Cidades para dar tempo de adaptação aos municípios nessa situação - somente em São Paulo e no Rio Grande do Sul são cerca de 60 - tem garantido a liberação de financiamentos, mas ainda é alvo de controvérsias.
Não há um levantamento preciso sobre o total de contratos de concessão de água e esgoto que venceram do ano passado até agora, mas se estima que a maior parte está concentrada em São Paulo, e a concessionária gaúcha Corsan informa que na sua base de operação há seis, todos sendo prorrogados. Segundo interpretação de especialistas, apesar de haver o amparo do governo, a situação pode ser ilegal.
Pelo entendimento federal é possível prorrogar esses contratos durante seis meses até 30 de junho de 2009. O entendimento inicial era de que a aplicação da lei para os contratos a vencer era imediata, sem direito a prorrogação caso não estivessem enquadrados nas novas exigências. Isso gerou manifestação das companhias estaduais de água e esgoto, que reclamavam ser impossível elaborar, no curto prazo, planos municipais e criar agências reguladoras, principais pontos da nova lei.
"Isso foi um afã de início, pois a lei traz modificações e num primeiro momento causa preocupação. Só depois de um tempo é que foi possível saber quais eram as preocupações reais", diz Sérgio Gonçalves, diretor de articulação institucional da Secretaria de Saneamento Ambiental do Ministério das Cidades. Ele afirma que os financiamentos não estão sendo prejudicados e prova disso é o último balanço do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), que indica que no primeiro semestre do ano já foram contratados cerca de R$ 13 bilhões, quase o dobro de todo o ano passado, quando foram contratados R$ 7 bilhões.
Apesar de ter o amparo do ministério, as empresas estaduais não se sentem totalmente confortáveis com a definição do prazo, segundo Walder Suriani, superintendente executivo da Aesbe, associação que representa as companhias. "Existe um risco, mas os novos contratos estão sendo todos feitos dentro da lei. Houve bom senso do ministério em entender que era preciso um prazo maior para quem estava com contrato vencendo agora", diz. Diante da insegurança jurídica, muitas empresas estão trabalhando com o Ministério Público para se precaver de possíveis problemas.
O advogado Wladimir Ribeiro, que assessora o Ministério das Cidades, porém, garante que não há dúvidas sobre os prazos. "É um assunto resolvido desde o meio do ano passado", diz. Para o advogado Carlos Ari Sundfeld, especialista em direito público, porém, a lei não cita em nenhum momento prazos diferenciados para contratos que vencem no curto prazo. "Em tese os contratos prorrogados após a lei estão ilegais, mas se o ministério e o MP não quiserem reclamar, nada vai acontecer", diz.
Segundo ele, a situação expõe tanto as empresas quanto as prefeituras a riscos. No caso das companhias, todos os investimentos feitos numa época sem contrato ficam descobertos, o que dá chance para mais brigas na hora de discutir a amortização de passivos com a administração municipal. Os prefeitos, por sua vez, podem ser acusados de improbidade administrativa, por manter um serviço prestado sem contrato.
Quando a Aesbe levantou a bola de que a falta de prazos travaria investimentos no setor, a idéia era incluir um tempo de transição num decreto de regulamentação da lei. O governo rebateu que não era necessário. A minuta do decreto, que até hoje não saiu, foi publicada no fim do ano passado, sem os novos prazos.
Segundo a Aesbe, hoje as empresas e as prefeituras estão se adequando à nova lei sem priorizar a preocupação com os prazos. Isso porque a não renovação dos contratos não interessa a nenhum dos lados. O processo de passagem do serviço da empresa estadual para o município envolve o levantamento de investimentos não amortizados que devem ser cobertos pela prefeitura, um processo complicado se for considerado o fato de que o setor não tinha nenhuma regulação até o ano passado.