Título: G-20 rejeita tentativa de países ricos de criar cotas agrícolas
Autor: Moreira , Assis
Fonte: Valor Econômico, 21/07/2008, Brasil, p. A3

Celso Amorim: problemas na negociação vão além da crítica à campanha de "desinformação" promovida pelos ricos Confrontos entre países desenvolvidos e emergentes, e agora também entre os próprios países em desenvolvimento, anteciparam as negociações de 35 ministros a partir de hoje em Genebra para tentar salvar a Rodada Doha do fiasco total.

O G-20, o grupo liderado pelo Brasil, pela primeira vez rejeitou publicamente a tentativa da União Européia (UE), Japão, Suíça e outros protecionistas de criar novas cotas para produtos agrícolas, consideradas um retrocesso no objetivo de liberalização agrícola global.

O Valor apurou que a UE quer criar cota inclusive para o etanol, o que limitaria a entrada do produto com tarifa menor a cerca de 142 milhões de litros por ano, ou seja, 5% da média do consumo europeu entre 2003-2005. Basta comparar com a cota que a própria UE acenava para o Mercosul na negociação birregional, de 1 bilhão de litros por ano.

O comissário europeu de Comércio, Peter Mandelson, apareceu em reuniões bilaterais, inclusive com o ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, com uma posição considerada insustentável para os emergentes.

Mandelson oferece o mínimo que o texto agrícola na mesa prevê e exige o máximo do que o documento na área industrial propõe, o que é considerado o caminho mais direto para o fracasso se continuar assim nas próximas 48 horas.

O representante europeu insistiu que a UE já fez demais na agricultura e só aceita aumentar as cotas agrícolas atuais em 4% do consumo doméstico, quando o mediador da negociação sugere que esse volume chegue a até 6% para dar uma compensação mais equilibrada aos exportadores que terão suas vendas limitadas no mercado europeu.

Com os 4% para a expansão das cotas, a UE empurra também os Estados Unidos a persistir num limite elevado de subsídios domésticos agrícolas. O mediador da negociação agrícola sugeriu que os EUA baixem esses subsídios para algo entre US$ 13 bilhões a US$ 16,4 bilhões. A representante americana, Susan Schwab, já avisou que não chegará ao montante mais baixo. Vários negociadores suspeitam que americanos e europeu fizeram um acordo em torno de US$ 15 bilhões para os subsídios dos EUA.

O Brasil reuniu ontem o G-110, aliança dos países em desenvolvimento, para sinalizar unidade na negociação e reiterar que o fim das distorções provocadas pelos subsídios gigantescos permanece como a principal tarefa da negociação da Rodada Doha.

A unidade demonstrada pelos países em desenvolvimento mascara, porém, as divergências entre exportadores e importadores do grupo, quando se chegam aos detalhes. Foi o que ficou claro ontem quando o Paraguai e o Uruguai divulgaram um documento, manifestando a preocupação com o mecanismo de salvaguarda especial que a China, Índia, Indonésia e outros países em desenvolvimento querem ter para frear aumentos súbitos de importações agrícolas.

Paraguai e Uruguai exemplificaram que a China poderá, com o mecanismo, colocar sobretaxas para algo entre 70% e 80% de suas importações agrícolas. No caso da soja, as importações subiram 48%, e Pequim poderá elevar de 3% para até 18% a tarifa de importação, considerando as propostas na mesa para deflagrar o mecanismo.

O mais curioso é que o Brasil e a Argentina, os dois maiores exportadores agrícolas do Mercosul, não se juntaram ao Paraguai e Uruguai, quando seu agronegócio também coloca como prioritário evitar que a salvaguarda especial dos pobres aumente as barreiras.

Negociadores do Brasil e da Argentina argumentaram, porém, que no momento a briga é mesmo contra os subsídios domésticos americanos, principalmente, onde se encontram as maiores distorções. Depois, no decorrer da semana, é que se pode discutir com "os sócios" uma solução para o mecanismo de salvaguarda especial.

A China mostra-se tão preocupada em garantir o direito de frear importações agrícolas que desta vez enviou dois ministros para a rodada de negociações na OMC, quando normalmente só costuma mandar um vice-ministro ou altos funcionários.

Os países insistiram que não há racha no G-20, ao mesmo tempo em que a evidência mesmo é de que as posições nacionais vão se manifestar fortemente nas reuniões desta semana entre os ministros.