Título: Partidos convergem para conter abuso de autoridade e limitar grampo
Autor: Ulhôa , Raquel
Fonte: Valor Econômico, 21/07/2008, Política, p. A10
A proposta de atualização da lei que trata do abuso de autoridade (lei 4.898, de 9 de dezembro de 1965), apoiada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva e defendida pelo presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Gilmar Mendes, e pelo ministro da Justiça, Tarso Genro, começa a ser tratada em Brasília como um daqueles raros temas com potencial de levar os três poderes e governo e oposição à convergência. Outra idéia que parece consensual é a necessidade de tornar mais rígida a lei que trata da interceptação telefônica autorizada judicialmente.
O debate sobre essas e outras alterações legislativas ganhou força nos últimos dias. Foi provocado pelas críticas a vazamentos de conversas telefônicas gravadas pela Polícia Federal durante as investigações da Operação Satiagraha e a supostos exageros policiais na prisão dos envolvidos - o banqueiro Daniel Dantas e 23 outros. Causou polêmica o uso de algemas, outro tema cujo debate avançou. Discute-se a necessidade de impor limites à ação da PF, ao mesmo tempo em que a ela seja garantida independência de ação.
Em tese, os presidentes dos principais partidos de oposição apóiam as propostas. E acham possível o entendimento em torno delas, já que não são questões partidárias. "Os temas são relativamente óbvios. O que precisamos discutir é o conteúdo e a efetiva prioridade que vai se dar a elas", afirmou o presidente do PSDB, senador Sérgio Guerra (PE).
O presidente da Câmara dos Deputados, Arlindo Chinaglia (PT-SP), acredita que há quase unanimidade em torno da necessidade de uma lei do abuso de autoridade e outras que combatam a violação dos direitos individuais . "Me causa desconforto viver sob o mando de um Estado policial", afirmou. Observou, no entanto, que o assunto não pode ser tratado como de governo ou de oposição, pois as divergências de enfoque podem dificultar o processo. "O debate a respeito desses temas tem que ser feito para atender a sociedade e não a teses políticas ou visões ideológicas ou corporativas", disse.
Para o presidente do DEM, deputado Rodrigo Maia (RJ), este é um bom momento para que os partidos façam a discussão em torno de uma pauta comum. Ele defende maior rigor na restrição dos vazamentos. Para o DEM, a PF vazou propositalmente trechos de conversas entre pessoas ligadas a Dantas que comprometem os senadores do partido Kátia Abreu (TO) e Heráclito Fortes (PI).
O PPS, outro partido de oposição, já tomou a frente na discussão da lei do abuso de autoridade. O deputado Raul Jungmann (PE) apresenta nesta semana, em pleno recesso do Legislativo, minuta de proposta para ser debatida. O texto, segundo ele, conceitua o que é autoridade: ocupante de cargo, função ou emprego público da administração direta, autárquica ou fundacional e membro de quaisquer poderes da União, Estados, Distrito Federal e município, e membros do Ministério Público e Defensoria, além de cargo de mandato eletivo.
O projeto define o que é abuso de autoridade, praticado por agente público de qualquer poder da União, de Estados ou de municípios contra direitos e garantias individuais e outros casos específicos. E estabelece o rito de processo contra a autoridade e as punições. Jungmann disse que a iniciativa resultou de conversa mantida com Mendes há alguns meses. Também conversou sobre o assunto com Genro. Mas a negociação de mérito, segundo ele, vai se dar depois da apresentação da minuta.
O PSDB e o DEM estudam uma pauta mais extensa para colocar na mesa de negociações. A relação, elaborada pelos tucanos com aval dos democratas, inclui, além da revisão da lei de abuso de autoridade, a regulamentação do lobby no Congresso, a alteração da Lei Orgânica do Ministério Público - para dar maior organicidade e criar meios de gestão e controle pelos órgãos superiores -, e a regulamentação das atividades dos funcionários das carreiras de Estado (Receita, Policia Federal, Banco Central, entre outras) - para dar-lhes independência e exigir deles completa isenção político-ideológica e fidelidade à lei.
Consta da lista a necessidade de aprimorar a avaliação dos indicados para compor os conselhos nacionais da Justiça e do Ministério Público, responsáveis pela fiscalização de juízes, procuradores e promotores. "Vou conversar sobre esses temas com os líderes (do PSDB) no Congresso e fora dele. O debate passará pela Executiva do partido, pelo DEM e pelo PPS. E temos que puxar o governo", disse Guerra. Está prevista para os próximos dias reunião entre ele e o presidente do DEM, para tratarem desse "pacote como resposta à crise" e de outra agenda legislativa comum para o segundo semestre. Maia gostaria de incluir a reforma política mas o assunto não avança por causa das divergências entre as legendas.
Um projeto defendido pela oposição não está na pauta do governo: a regulamentação da atividade do lobby. Para Guerra, a proposta daria transparência à atuação dos grupos de pressão organizados no Congresso. Ele cita, principalmente, setores empresariais, cuja influência na vida política, parlamentar e do Executivo está, na sua opinião, "fora do controle". Essa situação teria ficado exposta com o episódio envolvendo o grupo Opportunity, mas atinge outros processos legislativos.
O projeto de regulamentação do lobby foi apresentado pelo senador Marco Maciel (DEM-PE) em 1989. Foi aprovado no Senado e chegou à Câmara em 1990. Encontra-se pronto para votar desde 2001.