Título: BC tem mais flexibilidade para regular a liquidez
Autor: Izaguirre , Mônica
Fonte: Valor Econômico, 21/07/2008, Finanças, p. C3
Paulo Valle, o secretário adjunto do Tesouro Nacional: Ministério da Fazenda tem o poder de definir o volume das emissões líquidas diretas para o BC O Tesouro Nacional entregou ao Banco Central (BC), no fim de junho, cerca de R$ 10 bilhões em títulos federais além do necessário para rolar integralmente sua dívida mobiliária. Foi a primeira vez que isso ocorreu desde que a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) proibiu o BC de emitir seus próprios títulos para fazer política monetária, obrigando-o a trabalhar apenas com papéis emitidos pelo Tesouro.
O reforço da carteira do BC foi autorizado pela Medida Provisória nº 435, de 26 de junho último, diante da constatação de que o volume de títulos federais em seu poder já não era suficiente para as necessidades da política monetária. Manter a Selic, taxa básica de juros, dentro da respectiva meta, atualmente de 12,25% ao ano, exige do BC regular a liquidez monetária, isto é, a oferta de moeda no sistema financeiro. E o principal instrumento de calibragem diária dessa oferta são as operações com títulos públicos, em especial as que não envolvem compra ou venda definitiva, conhecidas como compromissadas.
Antes da LRF, o BC não corria o risco de ficar sem papéis para operar porque podia emitir seus próprios títulos. Por força da LRF, as emissões próprias da autoridade monetária tiveram que ser interrompidas em maio de 2001, um ano depois da Lei. Por causa das emissões anteriores, em dezembro de 2001, ainda havia no mercado cerca de R$ 126,2 bilhões em Notas do Banco Central (NBC). Com o paulatino vencimento , no entanto, elas foram todas resgatadas até 2006.
Em dezembro de 2006, quando não havia mais NBC, a carteira de títulos da autoridade monetária, já então formada só por papéis adquiridos do Tesouro Nacional, era de R$ 297,2 bilhões. Combinada com a incidência de juros e correção sobre os papéis, a rolagem integral dessa dívida garantiu um crescimento vegetativo e contínuo da carteira, atingindo R$ 367,34 bilhões até fim de maio de 2008.
Ainda assim, a carteira ficou pequena porque, com o aumento progressivo do estoque de operações compromissadas nos últimos anos, caiu drasticamente o volume de títulos liberados para novas operações. Segundo fontes do governo, mesmo com o reforço de R$ 10 bilhões permitido pela MP 435, a parcela disponível da carteira, que era de R$ 219,83 bilhões ou 74% em dezembro de 2006, fechou junho de 2008 próxima de R$ 80 bilhões. O saldo total da carteira no fim de junho ainda não foi divulgado oficialmente. Mas seria próximo de R$ 380 bilhões, o que significa que os títulos livres seriam apenas 21%.
Mesmo com oscilações negativas de vez em quando, o saldo das operações compromissadas do BC quase quadruplicou num período inferior a um ano e meio. No fim de dezembro de 2006, era de R$ 60 bilhões. Encerrado o mês de maio de 2008, já estava em R$ 224 bilhões.
A necessidade do BC de colocar títulos no mercado cresceu principalmente pela decisão política do atual governo de aumentar reservas cambiais. As expressivas compras de dólares no mercado de câmbio doméstico exigiram mais atuação da autoridade monetária para "enxugar" o excesso de liquidez gerado pela liberação dos reais correspondentes. As reservas cambiais, que eram de US$ 85,83 bilhões em dezembro de 2006, alcançaram US$ 197,91 bilhões em maio desse ano, e já estavam em US$ 203,18 bilhões quinta-feira.
Feito o reforço emergencial de R$ 10 bilhões, nas próximas semanas, BC e Tesouro vão discutir eventuais novas emissões líquidas no âmbito da MP 435. Sendo necessário, novos aportes ocorrerão, disse ao Valor o secretário adjunto do Tesouro Nacional, Paulo Valle.
O governo foi obrigado a recorrer a uma medida provisória porque a Lei 10.179, de fevereiro de 2001, proibia, até então, que o Tesouro entregasse ao BC títulos além do necessário para rolagem integral dos que lá já estavam antes da LRF. A MP mudou a Lei 10.179, permitindo ao Tesouro fazer emissões líquidas diretas para a carteira do BC, desde que expressamente autorizadas pelo ministro da Fazenda, sempre que necessário.
Para não contrariar a LRF, que proíbe o BC de financiar o Tesouro, essas emissões não terão contrapartida financeira. Ou seja, o Tesouro entregará os títulos mas não receberá pagamento do BC - até porque, pela legislação, lucros ou prejuízos apurados pelo Banco Central são, em última instância, do Tesouro Nacional.
Paulo Valle admite que, ao entregar novos papéis, o Tesouro também dá ao BC mais possibilidade de elevar a dívida pública federal. Afinal, quando saírem da carteira da autarquia, ainda que em vendas não-definitivas, os títulos se transformarão em dívida do governo com o mercado.
Valle destaca, por outro lado, que será sempre do Ministério da Fazenda o poder de definir o volume das emissões líquidas diretas para o BC. Nesse sentido, ele discorda que a MP 435 seja um cheque em branco para a autoridade monetária. Justamente porque os títulos podem virar dívida de fato, a Fazenda terá que levar em conta, segundo ele, as metas relacionadas ao endividamento público.
O endividamento via carteira de títulos do BC será sempre limitado ao próprio tamanho da carteira. Já a criação de um teto para o endividamento mobiliário tomado pelo próprio Tesouro Nacional depende, até hoje, de regulamentação da LRF. A obrigação de estabelecer o limite é do Congresso. Mas passados oito anos, embora existam projetos, o Legislativo ainda não regulou a questão.