Título: Brasil e Índia encenam união no G-20
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 31/07/2008, Brasil, p. A6

Brasil e Índia montaram uma encenação pública ontem na Organização Mundial do Comércio (OMC), tentando afastar a percepção de riscos à sobrevivência do G-20, depois de os dois países terem tomado rumos diferentes no momento crucial da Rodada Doha.

"Onde está o fotógrafo, chama o fotógrafo", repetiam o ministro brasileiro das Relações Exteriores, Celso Amorim, e o de Comércio da Índia, Kamal Nath, no saguão da OMC. Os dois faziam pose um ao lado do outro, sem maiores efusões, depois de terem se encontrado rapidamente, colocando em ação a cena que tinham acertado antes pelo telefone.

Para o Brasil, especialmente, a cena parecia necessária para mascarar a percepção de que o país teria se afastado de parceiros. Como não aparecia nenhum fotógrafo, o jeito foi um assessor de Amorim fazer a foto, enquanto a televisão indiana acionava os refletores, e os ministros procuravam rir. "Vamos falar só em inglês, não em espanhol", avisou Nath, mostrando desconhecimento da língua que se fala no Brasil, apesar das várias visitas ao país. "A vida é um aprendizado", consolou-se Amorim.

Na negociação dos sete países em busca de acordo - Brasil, Estados Unidos, União Européia, China, Índia, Japão e Austrália -, o Brasil aceitou um pacote agrícola e industrial proposto pelo diretor-geral da OMC, Pascal Lamy, por estimar que havia equilíbrio entre concessão e o que ganhava. A Índia tomou a outra direção, mantendo posição maximalista, o que acabou levando a negociação global ao fracasso.

Os dois ministros insistiram diante dos jornalistas que o G-20 venceu onde estavam unidos - no combate aos subsídios domésticos americanos e na redução tarifária nos países ricos. E que a negociação fracassou onde eles não tinham chegado a entendimento dentro do grupo - sobre a aplicação do mecanismo de salvaguarda para países com agriculturas frágeis frearem importações agrícolas. A mensagem foi de que dá para continuar trabalhando contra subsídios e alíquotas dos países ricos e tentar, a partir de agora, acomodar as outras posições.

Pouco antes, numa entrevista, Nath simplesmente ignorou uma questão sobre como estava sua relação com o Brasil. Uma autoridade indiana disse ao Valor, pedindo anonimato, que a Índia ficou decepcionada, não por causa da salvaguarda especial, mas sim por Amorim ter sido o primeiro a aceitar no G-7 o pacote que limitava subsídios domésticos americanos a US$ 14,5 bilhões.

"Ele sequer consultou o G-20, que tinha posição fixada em US$ 12 bilhões para os EUA", afirmou essa autoridade. "Amorim podia ter consultado o grupo, e se tivesse divergências, que tomasse a decisão de apoiar argumentando seus próprios interesses. Mas, ao ser o primeiro a apoiar, nos deixou com toda a pressão."

Segundo essa autoridade indiana, a China, membro do G-20, pediu para os EUA limitarem os subsídios a US$ 10 bilhões. A Índia insistiu para Washington cortar as subvenções em US$ 1 em termos reais, o que significava menos de US$ 8 bilhões. Foi quando a representante americana Susan Schwab deu a Nath uma nota de US$ 1, dizendo que ele estava pago.

Ontem, Amorim disse que procurou refletir a posição do G-20, mas que estava numa negociação e não podia a cada momento consultar o grupo. Também considerou que o limite de US$ 14,5 bilhões não era o ideal, mas o pacote estava equilibrado, inclusive para aquilo que os emergentes pagariam na área industrial.

Amorim teve o apoio do setor privado ao se distanciar da posição maximalista da Índia, para defender o interesse nacional. Além disso, na conferência de Hong Kong, quando o G-20 estava bem mais unido, Nath aceitou uma proposta da União Européia sobre o prazo para acabar subsídios à exportação, que Amorim rejeitava. Só com a intervenção do ministro é que a UE acabou aceitando mudar a oferta. Mais tarde, Nath desculpou-se por ter deixado Amorim sozinho na briga com os europeus. (AM)