Título: Um defensor em Brasília
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Fonte: Correio Braziliense, 27/02/2011, Mundo, p. 24

Primo distante de Muamar Kadafi, Ali Elghani Abdurrhman condena as manifestações contra o regime

Quem passa pela pequena loja de esquadrias de alumínio no setor de oficinas do Núcleo Bandeirante não faz ideia de que ali trabalha um integrante de uma das mais importantes famílias da Líbia ¿ país que desde 17 de fevereiro foi tomado por uma onda de violência e protestos pedindo a saída do ditador Muamar Kadafi, há mais de quatro décadas no poder. O comerciante Ali Elghani Abdurrhman, 40 anos, 17 deles no Brasil, é o único membro da extensa família do ditador a viver em terras brasileiras. Defensor do líder líbio, a quem se refere sempre como coronel, em um português com forte sotaque árabe, ele acredita que a situação no país é ruim tanto para o regime quanto para a população, e prega que o poder continue nas mãos do atual governante.

Para o comerciante, nascido na aldeia de Sereta, na costa central do país, a situação política não deveria mudar até que seu primo distante decida deixar o poder. ¿Ele não é o presidente da Líbia, e sim o líder de uma revolução. Não defendo totalmente seu governo, mas o Kadafi já está velho, deveriam o ter deixado terminar seu governo. Só quando seu filho Seif assumisse, aí sim, poderiam ser feitas reformas¿, opina o comerciante.

Depois de morar na França, no Canadá e no s EUA, sempre com bolsas de estudo concedidas pelo governo líbio, Ali se estabeleceu no Brasil. Em Brasília, é conhecido simplesmente por Alex. O sobrenome Kadafi não foi mantido nos documentos tirados fora da Líbia. ¿Nem me deixariam entrar nos Estados Unidos com um nome desses¿, justifica o líbio.

Segundo Ali Abdurrhman, que estudou com os filhos de Kadafi e conheceu pessoalmente o ditador, uma renúncia do líder líbio está descartada. ¿O Kadafi não cede a pressões. Não acho que sanções internacionais surtam qualquer efeito. Acho que ele só sai do governo se for morto¿, opina. Para ele, a democracia não é a melhor saída para o país árabe. ¿Lá não é como aqui que há partidos políticos. Na Líbia, o poder é familiar. Se o Kadafi cair, outra família, ou mesmo grupos ligados à Al- Qaeda podem assumir o poder. Não acredito que haja alguém preparado para assumir a Líbia tão bom quanto o coronel¿, completa.

A Embaixada da Líbia em Brasília é a principal fonte de informações de Abdurrhman. Ontem à tarde, antes de receber a reportagem do Correio, o comerciante teve uma reunião com o embaixador Salem Ezubdi. ¿Ele está recebendo muita pressão, mas minha opinião é de que ele também não deve renunciar, como outros embaixadores fizeram. Isso deixaria toda a embaixada e os líbios que vivem aqui desamparados¿, afirma. Da embaixada também veio o conselho de não se deixar ser fotografado.

Ali, que esteve em seu país pela última vez em 2002, acredita que os conflitos começaram em razão da influência internacional. ¿Acho que viram o que aconteceu no Egito e na Tunísia e resolveram fazer igual. Quando estive lá, vi que as pessoas estavam felizes. O filho do coronel fez eventos nas praças tão grandes quanto os protestos. Distribuiu carros e apartamentos para a população¿, afirma o comerciante, que não acredita que o conflito esteja próximo do fim. ¿Acho que isso será resolvido entre o coronel e a população, e isso infelizmente pode resultar em uma guerra civil¿, completa.

(Colaborou Breno Fortes)