Título: O cerco se fecha
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Fonte: Correio Braziliense, 27/02/2011, Mundo, p. 24

Manifestações se multiplicam e Barack Obama pede a renúncia do ditador líbio

Enquanto crescia ontem a pressão da comunidade internacional sobre a Líbia, com a mobilização das Nações Unidas e de líderes europeus, internamente, o ditador Muamar Kadafi via surgir mais rachaduras nos alicerces de seu regime. Um funeral arrastou milhares pelas ruas de Tajoura, periferia de Trípoli, em um protesto vitorioso para a oposição e que mostrou a fragilidade do domínio de Kadafi naquele que é considerado o seu principal reduto. Em todo o país, o dia foi de manifestações e novas deserções de militares, que aderiram à revolta popular. Líderes oposicionistas anunciaram que as forças leais ao ditador controlam somente 15% do território.

Nos Estados Unidos, o presidente Barack Obama, em telefonema à chanceler alemã, Angela Merkel, defendeu a renúncia de Kadafi. ¿O presidente disse que quando o único meio para um líder permanecer no poder é o uso da violência contra seu próprio povo, esse líder perdeu a legitimidade para governar e precisa fazer o que é adequado: partir¿, assinalou comunicado divulgado pela Casa Branca. A despeito da situação, um dos filhos de Kadafi alertou para o risco de uma guerra civil caso, um acordo não seja alcançado.

Em Nova York, o Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas (ONU) voltou a se reunir ontem para votar o rascunho da resolução com sanções ao regime de Muamar Kadafi. Um dia depois de os Estados Unidos suspenderem relações diplomáticas com a Líbia, países da Europa também sinalizaram que devem seguir o mesmo caminho. Reino Unido e Alemanha concordaram sobre a necessidade de impor sanções internacionais severas à Líbia o mais rápido possível.

Em território líbio, os confrontos se multiplicaram. Na capital, Trípoli, os manifestantes desafiam abertamente o ditador, sobretudo nos bairros da periferia. Durante o funeral de Anwar Elgadi, morto na sexta-feira por milícias pró-Kadafi, que se transformou num gigantesco protesto, as tropas militares abriram fogo contra a multidão, que havia iniciado uma marcha no subúrbio de Tajoura até à Praça Verde, no centro de Trípoli. Por fim, as forças de segurança abandonaram o distrito da classe trabalhadora após cinco dias de manifestações contra o governo, disseram os moradores a correspondentes estrangeiros que visitaram a área. ¿Todos em Tajoura saíram contra o governo. Nós o vimos matando nosso povo aqui e em toda a Líbia¿, disse um homem que se identificou como Ali, 25 anos, à agência France Presse.

Em toda a capital, moradores preparavam-se ontem para intensos embates depois de uma noite de disparos diante da ameaça do líder líbio de armar seus seguidores para derrotar a rebelião popular, que controla a região petroleira do leste. Testemunhas relataram que homens ligados ao regime do ditador estariam atirando, de dentro de ambulâncias, contra a população, citou o jornal norte-americano The New York Times.

Com informações desencontradas, é difícil determinar um balanço da violência que toma conta do país. Segundo o vice-embaixador da missão líbia na ONU, Ibrahim Dabashi, desertor do regime, os mortos são contados aos milhares. Nas estimativas de outras fontes, entretanto, varia de 300 a 1 mil o número de vítimas. Moradores de Trípoli têm afirmado, segundo o The New York Times, que o governo está removendo corpos das ruas e feridos dos hospitais em um esfoço para confundir a contagem das vítimas da violência.

Manipulação Em meio a todo o caos, Saif al Islam Kadafi, filho de Kadafi, reconheceu ontem, em entrevista à emissora Al Araviya, que há no país ¿uma vontade inerna de mudança¿. Considerou, de qualquer forma, que a paz estava retornando à Líbia. ¿A situação em três quartos do país, envolvendo a metade da população, é de normalidade (...), excelente¿, garantiu Saif al Islam na entrevista concedida no 12º dia da revolta popular contra o regime do pais, no poder há 42 anos.

Ele afirmou que os manifestantes que tentam derrubar o líder líbio estão sendo manipulados. Assinalou ainda que a revolta ¿abriu as portas¿ para uma guerra civil. ¿Nossos irmãos árabes pagam salários mensais a jornalistas e dizem para eles escreverem e incitarem (protestos) contra a Líbia, para que escrevam contra Muamar Kadhafi¿, afirmou.

Em Benghazi, segunda maior cidade do país e palco dos mais sangrentos confrontos, Fathi Terbel, membro do comitê popular que controla a cidade e um dos líderes do levante popular na Líbia, afirmou ontem que forças leais ao ditador Muammar Kadafi controlam somente 15% do território nacional.

Pressão internacional No âmbito diplomático, também acentuava-se a pressão. O Conselho de Segurança da ONU reuniu-se ontem, pelo segundo dia consecutivo, para discutir punições severas contra o regime líbio, com o propósito de deter a sangrenta repressão no país. O projeto de resolução prevê, entre outras medidas, a possibilidade de abertura de processo contra Kadafi no Tribunal de Haia por crimes contra a humanidade.

Esse é um dos pontos sensíveis da proposta, que causava divergências entre os integrantes do conselho. Brasil, Portugal, China e Índia, segundo informações da agência Reuters, posicionaram-se contrários a essa cláusula, defendendo o diálogo. O projeto de resolução menciona ainda dois embargos, um de armas e outro de viagens do coronel Kadafi, cujos bens também podem ser congelados, segundo fontes diplomáticas.

Fora de controle O ditador líbio Muamar Kadafi aparenta não ter mais controle da situação em seu país, afirmou o primeiro-ministro italiano, Silvio Berlusconi. ¿Parece que efetivamente Kadafi não tem mais o controle da situação na Líbia¿, disse o premiê sobre seu antigo aliado, acrescentando: ¿Se todos chegarmos a um acordo, poderemos acabar com esse banho de sangue e apoiar o povo líbio¿. Berlusconi, até agora aliado do líder líbio, Muamar Kadhafi, com o qual assinou em agosto de 2008 um tratado de amizade para tentar saldar as dívidas de mais de 30 anos de colonização italiana, destacou que o ¿cenário geopolítico está mudando, e que a Itália está preocupada com isso¿.