Título: China endurece posição e Rodada terá novos textos
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Fonte: Valor Econômico, 28/07/2008, Brasil, p. A3
A China juntou forças ontem com a Índia para ter mais espaço para frear importações agrícolas na Rodada Doha da Organização Mundial do Comércio (OMC). O país também passou a se opor a acordos setoriais na área industrial, setor onde é apontado como um dos principais ganhadores.
Além de Pequim trazer mais um complicador à rodada, negociadores identificam uma "união estranha" entre Argentina e Índia, apesar deste país defender na agricultura justamente o que não interessa aos exportadores argentinos.
A Argentina voltou a rechaçar ontem as bases de um acordo, enquanto o Brasil insistiu na preservação do pacote agrícola e industrial apresentado pelo diretor-geral da OMC, Pascal Lamy. O país considera que tem ao seu lado a maioria dos países, apesar dos rumos tomados pelos aliados.
O G-33, liderado pela Indonésia e outros de agricultura frágil, também apresentou posição contra importações, apesar da crise alimentar que seus países enfrentam. Nenhum país, contudo, abandonou a negociação, o que sinaliza que eles esperam acomodar suas demandas nos textos agrícola e industrial que a OMC deve divulgar hoje como base para a barganha final. Assim, ao final de mais uma rodada de negociações entre 30 ministros, a maioria reconheceu enormes diferenças, mas ainda vê possibilidade de acordo. "Agora acho que há 65% de chances", segundo o ministro Celso Amorim.
Até então moderada, a China endossou a posição da Índia e de grupos em desenvolvimento, contestando a proposta sobre um mecanismo de salvaguarda para frear alta súbita de importações ou queda de preços. Pela proposta de Lamy, a salvaguarda somente pode ser usada quando as importações aumentarem 40%, na média, em três anos. Esses países querem aplicar sobretaxa quando a importação já subir 10% em volume. O Uruguai mostrou-se "terrivelmente preocupado". E exemplificou que bastará aumento de importações de 4,9% em dois anos seguidos para a China ou Índia aumentarem as tarifas acima do que está previsto na Rodada Uruguai.
A China avisou também que vai designar açúcar, arroz, algodão, milho e trigo na categoria de "produtos especiais" que não terão corte tarifário nenhum. O problema é que Pequim tampouco quer reduzir a alíquota dentro das cotas que impôs para limitar a entrada dos produtos em seu mercado. No caso do açúcar, Pequim impõe tarifa de 50%, que cai para 15% dentro de uma cota global de 1,9 milhão de toneladas por ano. Para arroz, a taxa é de 65%, e algodão, 40%.
Maior surpresa, e maior endurecimento, foi a China agora se posicionar contra acordos setoriais, para eliminação ou redução acelerada de tarifas em certos setores industriais, quando Pequim tinha sido um dos demandantes destes acordos. Pequim acha que o compromisso para negociar pelo menos dois acordos setoriais, incluindo no pacote de Lamy, pode forçar o país a incluir químicos, maquinários e produtos elétricos, onde tem as maiores taxas e onde quer manter a proteção contra a concorrência estrangeira. O ministro Celso Amorim acha que há problemas de interpretação. "Consideramos, taxativamente, que a participação é voluntária", afirmou.
Há um acordo no contencioso da banana - ou quase. A União Européia e produtores da América Latina chegaram a um acordo que corta em 2 euros a tarifa por tonelada comparada a oferta inicial, com a taxa baixando para 114 euros em 2016. Mas Camarões, dentro do grupo África, Caribe e Pacifico (ACP), cujas bananas entram sem tarifas na UE, contesta o acordo que tornaria suas produções menos competitivas.
Segundo negociadores, estão praticamente fechados dois dos pilares da negociação agrícola: subsídios à exportação e subsídios domésticos. O problema continua no acesso aos mercados nos países em desenvolvimento. "Se não tivermos solução para salvaguarda especial na agricultura e acordos setoriais, tudo estará realmente em risco", afirmou um negociador.
Desta vez na negociação global, os protagonistas de grandes divergências são os próprios países em desenvolvimento. E no estágio atual das negociações em Genebra, uma das questões é o futuro do G-20. A resposta do ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, mostrou bem menos entusiasmo sobre o futuro do grupo. "O G-20 foi criado para obter um acordo", disse ele. "Ele não é um fim em si, o fim é obter um bom acordo na Rodada Doha. Na hora da verdade, as avaliações podem não ser idênticas. Então cada país tem que tomar sua decisão".