Título: Empresas mantêm apetite para investir
Autor: Lamucci , Sergio
Fonte: Valor Econômico, 28/07/2008, Brasil, p. A4

A disposição das empresas brasileiras para investir continuou firme no primeiro semestre, mesmo com as grandes incertezas no cenário externo e o início de um novo ciclo de alta dos juros. Levantamento do Bradesco mostra que 484 companhias anunciaram novos investimentos entre janeiro e junho, totalizando R$ 385,7 bilhões, valor 82% superior ao do mesmo período de 2007. As inversões realizadas também cresceram com força, como apontam as estimativas para a formação bruta de capital fixo (FBCF, que mede o que se investe na construção civil e em máquinas e equipamentos) no segundo trimestre. A MB Associados projeta expansão de 12,1% em relação a igual intervalo de 2007. É menos que os 15,2% do primeiro, mas um número ainda robusto.

Juros reais mais baixos, a perspectiva de um crescimento mais forte e com mais estabilidade e o acesso a diversas fontes de financiamento são alguns dos fatores que explicam a forte alta do investimento nos últimos meses. A expectativa para o segundo semestre é de desaceleração, por causa da base de comparação mais alta e do aumento dos juros. No entanto, a aposta dominante é de que a FBCF continuará a crescer mais que o Produto Interno Bruto (PIB), consolidando a ampliação da capacidade produtiva. Em 2007, o investimento medido por este indicador aumentou 13,4%.

O economista-chefe da MB Associados, Sérgio Vale, estima que, no segundo trimestre, a construção civil cresceu 9% sobre o mesmo período de 2007, número próximo aos 8,8% que o setor cresceu no primeiro, segundo as contas nacionais trimestrais. "A construção olha o longo prazo, e as perspectivas de longo prazo são positivas no Brasil, a despeito do ciclo de baixa que deverá haver em 2009."

Com o boom do mercado residencial e um avanço maior dos investimentos em infra-estrutura, o segmento deve ter uma expansão forte também nos próximos anos. Segundo levantamento do BNDES, as inversões na construção residencial devem atingir R$ 535 bilhões entre 2008 e 2011 - crescimento de 10,8% ao ano em relação ao observado entre 2003 a 2006. Já os investimentos em infra-estrutura devem totalizar R$ 231,7 bilhões no período, 13,2% anuais a mais que nos quatro anos anteriores.

O consumo aparente de máquinas e equipamentos (produção e importação, menos exportação) seguiu firme entre abril e junho. Deve ter crescido 14,7% na comparação com o mesmo período de 2007, diz Vale. É um percentual inferior aos 20% do primeiro trimestre, mas ainda expressivo. Segundo ele, a desaceleração se deveu ao aumento do ritmo de expansão das exportações, que passaram de 7% no primeiro para 10% no segundo trimestre. Elas entram com sinal negativo no cômputo do consumo aparente. Favorecidas pelo dólar barato, as importações de bens de capital subiram 39% de abril a junho, mais até que os 34% de janeiro a março. A produção deve ter crescido 18% no segundo trimestre (o número de junho ainda não foi divulgado), um pouco mais que os 16,6% do primeiro, aposta Vale.

Com base em informações publicadas pela imprensa, o levantamento do Bradesco mostra que, do total de R$ 385,7 bilhões de novos investimentos anunciados, a maior fatia (R$ 86,9 bilhões) ficou com os setores de mineração e siderurgia. Em seguida aparecem os de transporte e logística (R$ 69,8 bilhões) e petróleo e derivados (R$ 55,1 bilhões). Isso deixa claro que os produtores de commodities continuam investindo muito.

Quando se leva em conta o número de empresas que anunciaram novos investimentos, fica evidente também a força do mercado interno. O setor que lidera é o comércio, com 73 companhias, seguido por transporte e logística, com 60, e construção civil e indústria alimentícia, as duas com 31. "A empolgação do empresário com as perspectivas do mercado interno ajudam a explicar o resultado", avaliam os economistas do Bradesco.

Pelo levantamento, 54,6% das inversões anunciadas até junho se referem à construção de novos empreendimentos. Outros 37,6% dos projetos se referem à ampliação e 7,8% à modernização das plantas.

Um bom termômetro do apetite para investir são os empréstimos do BNDES. Nos 12 meses até maio, as aprovações totalizam R$ 110 bilhões, uma aceleração em relação aos R$ 99 bilhões de 2007. Os desembolsos subiram de R$ 65 bilhões no ano passado para R$ 76 bilhões nos 12 meses até maio.

Notando que o investimento cresce há 12 trimestres seguidos acima do PIB, o presidente do BNDES, Luciano Coutinho, acredita que a alta dos juros não afetará significativamente o atual ciclo de investimentos. Um dos motivos é que as empresas contam com diversas fontes de financiamento. Além dos empréstimos do banco com base na Taxa de Juros de Longo Prazo (TJLP), há a possibilidade de captar recursos no mercado de capitais. Para completar, as empresas estão com uma situação financeira saudável, permitindo que parte expressiva dos investimentos seja feita com lucros retidos.

Um estudo com balanços de 46 grandes empresas feito pelo consultor do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi), Júlio Sérgio Gomes de Almeida, mostra que, em 2007, 49% das inversões e aquisições de ativos fixos foram realizadas com lucros retidos. Almeida diz que esse resultado expressivo se deve à combinação de um elevado faturamento com ausência de choque de custos nos últimos anos. Para 2008, esses percentuais tendem a cair um pouco. As empresas tendem a lucrar um pouco menos e, se o investimento continuar forte, uma parcela maior deverá ser feita com recursos de terceiros.

Almeida concorda que não faltam fontes de financiamento, mas teme que a alta dos juros leve às companhias a adiarem novas inversões. A perspectiva de um crescimento mais fraco e incerto daqui para frente pode fazer com que algumas empresas arquivem projetos. "Será que os empresários vão continuar a investir com ímpeto sabendo que a demanda interna não será das mais brilhantes?", pergunta ele, que acredita num crescimento ainda de dois dígitos para a FBCF neste ano. O segundo semestre, diz Almeida pode mostrar uma desaceleração forte.

Vale e o Bradesco são menos pessimistas. Vale estima uma alta de 11,1% para a FBCF em 2008 e de 7% em 2009, e o Bradesco, de 12% para este ano e de 8,8% para o ano que vem. "A desaceleração basicamente vem por conta dos juros, o que é natural, mas não é entendida como o fim do mundo. Há todas as condições de continuar a crescer depois", pondera o economista da MB. Vale prevê um PIB de 4,8% neste ano e de 3,5% no ano que vem.