Título: EUA podem ter recessão sem contração da economia
Autor: Reddy , Sudeep
Fonte: Valor Econômico, 28/07/2008, Internacional, p. A9

Os preços de imóveis estão despencando nos Estados Unidos, onde o mercado de trabalho está fraco, a gasolina custa quase US$ 1 o litro (um absurdo para os americanos) e os mercados financeiros estão em sua pior crise em décadas.

Parece uma recessão, certo?

Talvez sim, talvez não. A economia americana está crescendo. Ela deve crescer 2% - taxa anualizada, como o governo prefere divulgar - quando sair a primeira estimativa do desempenho do segundo trimestre, nesta quinta-feira.

O crescimento ininterrupto levanta uma questão importante: será que esta pode ser a primeira recessão americana sem uma queda na produção econômica?

O produto interno bruto (PIB, a produção total de bens e serviços) dos EUA cresceu à taxa anualizada de 1% no primeiro trimestre, o que refletiu uma alta nas exportações devido à queda do dólar. O crescimento contradisse previsões de alguns economistas de uma contração nesse período.

O número indica que uma recessão, sob a definição mais comum - dois trimestre seguidos de queda do PIB - não aconteceu no primeiro semestre, embora o governo possa, é claro, revisar os números mais tarde.

Mas a organização sem fins lucrativos Birô Nacional de Pesquisa Econômica, NBER na sigla em inglês, que decide se os EUA estão em recessão, define recessão como "uma queda significativa da atividade econômica espalhada pela economia, que dure mais do que alguns meses".

Entre as medidas estão PIB, renda, emprego, produção industrial e vendas no varejo e faturamento das fábricas, informa o Comitê de Datação do Ciclo de Negócios, composto por sete membros, em geral economistas de instituições acadêmicas. O grupo pode declarar uma recessão mesmo quando o PIB está positivo, baseando-se nas outras medidas.

A maioria desses indicadores tem estado bem fraca nos últimos meses e alguns estão em queda. O mercado de trabalho, por exemplo, vem se contraindo este ano e espera-se que nesta sexta-feira o governo anuncie que as folhas de pagamento caíram em julho, o sétimo mês consecutivo de queda.

Ganhos contínuos de produtividade estão segurando a economia. Quando empregadores obtêm mais de cada trabalhador, a produção pode subir mesmo quando o número de empregos cai. Mas os ganhos de produtividade podem não durar o bastante para manter o crescimento positivo.

"No momento, estamos indo meio que aos trancos e barrancos", com a economia crescendo um pouco por causa do estímulo da restituição extra de impostos e das fortes exportações, diz Jeffrey Frankel, professor de Harvard e membro do comitê. Nos últimos trinta anos, diz ele, a economia ameaçou várias vezes entrar em recessão mas conseguiu ir adiante. Mas, no caso atual, "parece haver um conjunto maior de circunstâncias adversas".

Os dados econômicos que têm sido anunciados dão "confirmação bastante forte de uma queda tipo recessão em emprego e de estancamento da produção real", diz Robert Hall, economista da Universidade de Stanford que há décadas lidera as discussões sobre a datação de início das recessões. Ainda assim, o mercado de trabalho só caiu um pouco e "o desemprego não disparou ainda".

O comitê tem várias opções. Pode chamar o período mais recente de recessão, mesmo se o PIB tiver crescido, citando a queda do emprego e outros indicadores. Ou pode não fazer nada - não declarar uma recessão - e deixar o ano entrar para a história como uma redução do crescimento causada por uma crise financeira de arrepiar.

Ou, se o PIB cair este ano ou no início do próximo, o comitê poderia retroagir o início da recessão para janeiro, quando o desemprego começou a crescer. Isso faria da queda a maior desde a recessão de 1981-82. O grupo também poderia declarar uma recessão mais curta, mesmo sem um trimestre de PIB negativo.

Os membros dizem não estar seguros quanto a classificar a atual situação econômica americana de recessão. "É difícil eu me imaginar fazendo isso sem um único trimestre negativo", diz Frankel.

Outro membro do comitê, Victor Zarnowitz, diz que a queda do mercado de trabalho "por si só não basta, mas já vira a coisa no sentido de uma recessão". Zarnowitz, economista do grupo de pesquisas Conference Board e que faz parte da NBER desde 1952, diz que uma queda do PIB lhe daria "muito mais confiança de que [a economia em geral] está em queda".

Martin Feldstein, professor de Harvard e presidente da NBER até este mês, diz que o país tem "escorregado para uma recessão" desde janeiro, quando várias estatísticas mensais começaram a cair. Mas uma queda do PIB não é necessária "se houver suficientes outras evidências de que a economia está se contraindo", diz Feldstein.

Alguns economistas dizem que o PIB começará a cair antes do fim deste ano, quando o impacto dos US$ 110 bilhões em restituição extra do governo passar e outros problemas - queda do emprego, alta da inflação, salários estagnados e crédito escasso - se impuserem.

"Estamos desfazendo um ciclo de crédito de 20 anos" que decolou nos últimos seis anos, diz o economista David Rosenberg, da Merrill Lynch, que acredita que uma recessão começou em janeiro. "Estamos desfazendo a maior bolha imobiliária de todos os tempos (...) Esta economia está na casa do zero, e isso é precário."