Título: BR-163 mostra que ainda falta atenção à infra-estrutura
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Fonte: Valor Econômico, 28/07/2008, Opinião, p. A10
O abandono da rodovia BR-163, segundo o Valor, é um retrato sem retoques da baixa atenção dada pelo Estado brasileiro a uma das regiões mais ricas em recursos naturais do país, com forte potencial econômico. O resultado da inércia é trágico: manutenção da pobreza extrema das populações que vivem ao longo de 1.780 km da estrada, destruição da floresta amazônica, grilagem de terras e predomínio da violência.
A BR-163 foi idealizada há 36 anos, em plena ditadura militar. A estrada ligaria Cuiabá a Santarém, no Pará, cruzando uma região marcada pela existência de florestas e parques nacionais, reservas biológicas e extrativistas, territórios indígenas e unidades de conservação estaduais. A obra tinha o objetivo de "integrar" a Amazônia ao restante do Brasil.
Desde o início, sabia-se que, por causa da localização, a tarefa de construir a rodovia seria ambiciosa, embora crucial - a economia vivia, no início dos anos 70, um boom sem precedentes que, cedo ou tarde, chegaria aos limites da floresta amazônica, como, de fato, ocorreu. O que se viu ao longo das décadas seguintes, no entanto, foi o crescente abandono da rodovia e de iniciativas que poderiam dar à região sentido econômico e condições de vida dignas para as populações que a habitam.
Mais da metade da rodovia (956 km) não foi pavimentada. No início de 2006, o governo Lula anunciou, com pompa, um plano para retomar sua construção e viabilizar econômica e socialmente a região. Batizou-o de "Plano BR-163 Sustentável" e prometeu que ele seria um "novo paradigma de desenvolvimento sustentável" para a Amazônia.
O plano prevê ações de ordenamento territorial, reforma agrária, infra-estrutura, fomento de atividades sustentáveis, melhoria dos serviços, inclusão social e fortalecimento da cidadania, beneficiando 73 municípios da área de influência da rodovia. O repórter Mauro Zanatta, do Valor, percorreu 360 km da BR-163, entre Guarantã do Norte (MT) e Novo Progresso (PA), e constatou que, dois anos e meio depois de lançado, o plano não saiu do papel.
"Em dois dias de viagem, à exceção de uma barreira fiscal próxima à Base Aérea da Serra do Cachimbo, a reportagem não viu vestígios de presença do poder público. Nenhum agente ou veículo oficial foi avistado nesse longo trecho não pavimentado da rodovia, aberta nos anos 70 pela ditadura militar para forçar a ocupação do território", relatou. Já as conseqüências do abandono são visíveis.
Novo Progresso está na lista dos 36 municípios campeões de desmatamento ilegal na Amazônia. A cidade de 36 mil habitantes carece de infra-estrutura básica para atender seus cidadãos. O único hospital local não tem condições sequer de diagnosticar certas doenças, o que só pode ser feito a 715 km ao norte dali, em Santarém (PA), ou a 600 km ao sul, em Sinop (MT).
Do plano de redenção da BR-163 idealizado nos gabinetes de Brasília, tudo está atrasado, inclusive a pavimentação, pelo Exército, de dois trechos de 20 km da rodovia. "O plano está quase na estaca zero. O Incra não fez a regularização fundiária e as ações sociais ainda não foram implementadas", reconhece Luiz Antônio Pagot, diretor-geral do Departamento Nacional de Infra-Estrutura de Transportes.
Nem a inclusão da obra no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), com a promessa de liberação de R$ 1,1 bilhão para obras de pavimentação até 2011, melhorou a situação da BR-163. Trata-se de uma evidência de que o PAC, lançado há um ano e meio com o compromisso de resolver os problemas urgentes de infra-estrutura do país, não está funcionando a contento.
O Brasil dá sinais de que pode estar entrando num período virtuoso de crescimento acelerado. As ameaças a essa possibilidade estão justamente na infra-estrutura precária do país e na escassez de mão-de-obra qualificada, duas áreas que dependem essencialmente de investimentos do Estado. Para ficar no exemplo da BR-163, a pavimentação facilitaria o escoamento da produção agropecuária do Norte do Mato Grosso, pólo dinâmico de grãos e gado. O asfaltamento encurtaria também a distância dos produtos eletroeletrônicos de Manaus das principais regiões consumidoras do país.