Título: Voto proporcional
Autor: Coimbra, Marcos
Fonte: Correio Braziliense, 02/03/2011, Política, p. 6

O sistema proporcional que adotamos nas eleições de deputados e vereadores está na berlinda. O velho voto nominal em lista aberta tornou-se uma espécie de Geni. Todo mundo joga pedra nele.

Em si, é um método relativamente comum na experiência internacional. Com os adereços e penduricalhos com que o adornamos ao longo dos anos, tornou-se algo único, uma idiossincrasia brasileira. Agora que está sob carga quase unânime. O fato de ser uma ¿jabuticaba¿ reduz ainda mais sua legitimidade.

Nele, os partidos registram uma lista com tantos candidatos quantos quiserem, até o limite de uma vez e meia o número de cadeiras em disputa, e podem coligar-se, o que permite que o número de inscritos dobre (para a Câmara, essas taxas mudam de acordo com o total de cadeiras de que cada estado dispõe ¿ nos estados menores, que elegem menos deputados, os partidos podem inscrever o dobro e as coligações mais 50%).

Os votos de todos os candidatos do partido (ou coligação) são computados e somados aos votos de legenda ¿ i.e., os votos dados ao partido (ou aos partidos, no caso das coligações) ¿ agregando, portanto, votos nominais e não nominais. É esse total que servirá para calcular o número de vagas que cada um (ou cada coligação) terá conquistado.

Divide-se o total de votos obtidos pelos partidos e coligações pelo número de lugares em disputa e chega-se ao quociente eleitoral. Os que ficarem abaixo dele não elegerão candidato. Os que o ultrapassarem elegerão tantos quantos determinar o quociente partidário (votos recebidos divididos pelo quociente eleitoral) e lhes couber adicionalmente na distribuição das chamadas ¿sobras partidárias¿, que aloca as vagas não preenchidas pelo critério do quociente partidário (ou seja, indiretamente, é como se esses partidos recebessem os votos dos eleitores que votaram naqueles que não alcançaram o quociente eleitoral).

O sistema é chamado de lista aberta por não ser facultado aos partidos (ou coligações) estabelecer qualquer ordem para determinar os candidatos que ocuparão as vagas obtidas. É a votação que cada candidato alcançar que contará. Se o partido (ou coligação) tiver direito a uma vaga, será eleito o mais votado e assim por diante. Como se vê, ele combina o princípio da valorização do partido com um mecanismo que premia o desempenho do candidato. Ele procura encorajar o esforço individual, na lógica de que quanto mais os candidatos trabalharem para si, melhor será para cada um e para o partido.

No âmago, porém, é um sistema que coloca o partido em primeiro lugar. É o voto no partido que determina a possibilidade de que um candidato se eleja, não aquele que recebe pessoalmente. Daí a explicação para um caso que se tornou célebre, o de Dante de Oliveira, no Mato Grosso, na eleição de 1990, que foi o candidato a deputado federal mais votado de todo o estado, mas não se elegeu, por seu partido não ter alcançado o quociente eleitoral.

É também a razão de Enéas Carneiro ter levado a reboque para a Câmara cinco candidatos do Prona nas eleições de 2002, apesar de um deles não ter obtido nem 300 votos. O importante foi o voto total obtido pelo partido, não interessando o que receberam individualmente os candidatos.

Exatamente por ser um sistema de primazia do partido, não fazem sentido as coligações na eleição proporcional. Elas foram, no entanto, permitidas a partir de 1985, no governo Sarney, contrariando nossa tradição e subvertendo sua lógica.

O hoje senador Sarney diz que, ¿resolvendo a questão do voto proporcional, estamos dando um início definitivo para resolver o problema da reforma política¿. Como se a eliminação do sistema proporcional, consagrado em nossas Constituições desde 1934, tivesse algum efeito mágico.

Para evitar ¿injustiças¿ (como a não eleição de Dante de Oliveira) e ¿aberrações¿ (como a eleição de Vanderlei Assis, o deputado de 275 votos do Prona), ele e muita gente, incluindo vários membros da comissão da reforma política do Senado, querem acabar com o voto proporcional. No lugar, adotaríamos critérios majoritários.

O voto majoritário consagra a força do indivíduo e enfraquece o partido. Nele, o candidato se basta, sendo a filiação partidária um detalhe burocrático. É verdade que, com ele, ninguém mais se elegeria ¿à custa¿ de outros. Mas é também fato que nossos partidos, que já são frágeis, ficariam ainda piores.

Pensando bem, Dante de Oliveira não se elegeu apenas porque foi excessivamente auto-confiante, achando que não precisava de partido. E Enéas pode fazer o que fez na eleição de 2002 apenas por que nossa legislação partidária deixava.

É nela que devemos resolver coisas assim. Se for melhorada, o voto proporcional será uma relevante ajuda para que os partidos se consolidem. Antes de acabar com ele, é bom pensar.