Título: Justiceiros atômicos
Autor: Ramberg , Bennett
Fonte: Valor Econômico, 29/07/2008, Opinião, p. A13

Este mês, fazem 40 anos que mais de 50 países se reuniram na Ala Leste da Casa Branca para assinar o Tratado de Não-Proliferação Nuclear. Nas suas memórias, o presidente dos Estados Unidos Lyndon B. Johnson, definiu este como "o mais importante passo já dado para reduzir a possibilidade de guerra nuclear".

Hoje, com o benefício do tempo, podemos avaliar se o acordo realmente marca "o momento da virada histórica" esperada por Johnson. A evidência indica que, apesar de os diques do pacto terem, na sua maioria, se sustentado, ocorreram graves vazamentos, levando os justiceiros nucleares a fazer uso de força quando concluíam que a diplomacia não conseguiria impedir a disseminação da bomba. Se esse comportamento é um prenúncio para o futuro ainda não está claro, mas suscita um espectro continuado, dado o fracasso do TNP, de incluir um mecanismo de fiscalização e de controle eficazes.

Um fato não é posto em dúvida: o TNP representa o eixo jurídico central para o regime de não-proliferação nuclear ora firmado pela totalidade dos países, à exceção de três - Índia, Paquistão e Israel - e um renegado, a Coréia do Norte. Os princípios do tratado continuam ousados: os cinco Estados do pacto assumidamente detentores de armas nucleares - EUA, Reino Unido, França, Rússia e China - prometem eliminar seus arsenais nucleares, e os demais se comprometem a não adquirir armas nucleares, em troca do direito de desenvolver poderio atômico civil com ajuda internacional, sujeito a salvaguardas compulsórias.

Apesar de o TNP não ser inteiramente responsável pela ausência de dezenas de Estados munidos de armas nucleares cujo aparecimento muitas pessoas temiam, ele gerou um padrão de comportamento que continua norteando a maioria dos países. Mesmo assim, o acordo jamais atingiu o seu objetivo de desarmamento. As cinco potências nucleares continuam se atendo ferrenhamente às suas armas, só exigindo a sua eliminação da boca para fora. O que mais perturba a calma internacional, porém, é que um punhado de signatários não-nucleares desprezou o acordo secretamente. Quando foram expostos, por fim, sua perfídia demonstrou a incapacidade do TNP de dissuadir, apanhar e reverter trapaças nucleares.

Seis casos ilustram as trapaças mais clamorosas. Em duas ocasiões, o Iraque contornou as salvaguardas - primeiro, quando construiu o reator Osirak e não forneceu aos inspetores de armas transparência plena e garantias convincentes de que não usaria a planta para produzir plutônio para armas; e segundo, quando o país praticamente completou o seu programa de enriquecimento secreto antes da Guerra do Golfo Pérsico, de 1991.

A Coréia do Norte se mostrou mais bem-sucedida, tornando-se o oitavo país a detonar um artefato nuclear. Ao menos dois outros participantes do TNP - Líbia e Síria - se envolveram em subterfúgios nucleares significativos, mas fracassaram. E há ainda o Irã.

-------------------------------------------------------------------------------- Para Israel, as investidas militares indicaram que poderia aplicar a força e se beneficiar da impunidade, pois não houve retaliação --------------------------------------------------------------------------------

Igualmente perturbador tem sido o fracasso das salvaguardas da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) flagrarem essas violações. Em um único caso, da Coréia do Norte, a AIEA teve êxito. No Irã, um grupo dissidente, não a AIEA, soou o alerta.

A falta de confiança na fiscalização do cumprimento do tratado inspirou três casos de justiçamento militar: o ataque de Israel contra Osirak em 1981; seu ataque contra um local sírio suspeito em 2007; e a invasão do Iraque de 2003, realizada por Washington. Foram obtidos resultados confusos. A destruição de Osirak inspirou Saddam a tentar de novo. Os EUA ficaram atolados no Iraque. E por enquanto o ataque sírio de Israel parece ter eliminado uma ameaça potencial.

Para o Estado judaico, as investidas militares indicaram outra lição: um justiceiro nuclear poderia usar a força com impunidade. Não houve nenhuma retaliação. Em outros episódios, quando países contemplaram a mesma coisa, não foram tão otimistas. Por conseguinte, União Soviética, Estados Unidos, Egito e Índia decidiram que seria preferível conviver com países armados nuclearmente - como uma China, Coréia do Norte, Israel e Paquistão - a correr o risco de guerra.

O Conselho de Segurança das Nações Unidas, que permanece o fiscalizador do cumprimento do TNP, poderia dar tratamento mais adequado a surtos de proliferação e à compulsão de alguns de resolverem as coisas por conta própria, caso conferisse a si autoridade prévia para impedir trapaceiros imediatamente, de todas as formas. O resultado faria qualquer potencial violador de tratado pensar duas vezes. As divisões políticas reinantes entre os membros permanentes do Conselho, contudo, inviabilizam a consecução desse objetivo.

Isso deixa duas opções para reforçar os objetivos do TNP. Primeiro, há a diplomacia ad hoc, que teve sucesso em eliminar o programa nuclear da Líbia e a fechar o reator de produção de armas nucleares da Coréia do Norte. A diplomacia, porém, demanda tempo - muito tempo - e não há garantias de que terá êxito. Para Estados que acreditam que o tempo só aumentará a capacidade letal de seu adversário obter a bomba - a preocupação atual de Israel em torno do Irã - só resta o justiçamento militar.

Bennett Ramberg, serviu no Escritório de Assuntos Político-Militares no governo George H. W. Bush. É autor de vários livros sobre segurança internacional. © Project Syndicate/Europe´s World, 2008. www.project-syndicate.org