Título: Justiça e celeridade do Poder Judiciário
Autor: Simões , Carla Severo Batista
Fonte: Valor Econômico, 29/07/2008, Legislação & Tributos, p. E2

Foi oficialmente publicada a Resolução nº 7 do Superior Tribunal de Justiça (STJ), que regulamentará a Lei nº 11.672, de 2008, assinada por seu presidente, ministro Humberto Gomes de Barros, em um de seus últimos atos no cargo antes de sua aposentadoria compulsória. A resolução surgiu da proposta de regulamentação dos procedimentos relativos ao processamento e julgamento dos recursos especiais repetitivos apresentada pela comissão tripartite formada pela ministra Nancy Andrighi, da mesma corte, pela presidente do Tribunal Regional Federal (TRF) da 3ª Região, desembargadora federal Marli Marques Ferreira e pelo presidente do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS), desembargador Armínio José Abreu Lima da Rocha.

Pela nova lei, que entra em vigor no dia 8 de agosto, o Código de Processo Civil passa a contar com mais um artigo - o 543-C - como forma de atacar a sobrecarga de processos que assola o STJ, buscando uma uniformidade na solução das lides pelos tribunais pátrios. Esse dispositivo permitirá que o presidente do tribunal de origem, tanto estadual como federal, ao verificar a ocorrência de múltiplos recursos especiais, fundamentados em idêntica questão de direito, seja cível, seja criminal, selecione um ou mais representativos da controvérsia que serão encaminhados ao STJ, ficando todos os demais suspensos até o pronunciamento definitivo dos ministros.

Note-se que, segundo a resolução firmada por Gomes de Barros, essa suspensão alcançará os processos em andamento no primeiro grau de jurisdição que apresentem igual matéria controvertida, independentemente da fase processual em que se encontrem. O limite previsto para a interrupção do trâmite dos processos análogos é de 180 dias, dentro dos quais deverá se encerrar em até 60 dias o julgamento do recurso afetado. Caso não observado esse prazo, os presidentes dos tribunais de segundo grau de jurisdição poderão autorizar o prosseguimento dos recursos especiais seriados, inclusive com sua remessa ao STJ, quando admissíveis.

Com o pronunciamento definitivo da corte superior, os tribunais de origem deverão aplicar o entendimento de imediato, denegando seguimento aos recursos especiais na hipótese do acórdão recorrido coincidir com a orientação firmada. Divergindo da orientação, deverão esses acórdãos ser novamente submetidos ao órgão julgador competente no tribunal de origem, para serem ajustados ao julgamento consolidado no acórdão paradigma, sendo incabível a interposição de outro recurso especial contra o novo julgamento. Pela mesma resolução, os magistrados de primeira instância poderão, da mesma forma, se retratar, seguindo a solução determinada pelo STJ quando o feito houver sido sobrestado após a sentença, mas em curso prazo para apelação.

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É visível a inspiração do legislador nos "leading cases" existentes nos países seguidores da "common law" ao criar, com a norma comentada, os recursos pilotos que determinarão a solução para controvérsias semelhantes e, por conseqüência, acelerarão o andamento de processos iguais. Sem dúvida que o novo disciplinamento, ao agilizar o trâmite de recursos repetitivos no âmbito do STJ, agrupando os apelos em massa, com teses jurídicas semelhantes, vem de encontro ao desejado pelo inciso LXXVIII do artigo 5º da Constituição Federal, com a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação.

Desde a promulgação da Emenda Constitucional nº 45, em 2004, que incluiu o citado inciso em nossa Constituição, vimos presenciando uma avalanche de leis e mecanismos paliativos com o intuito de acelerar os trâmites processuais e combater a morosidade que atinge o Poder Judiciário brasileiro, reduzindo a quantidade de ações que chegam aos tribunais. São várias as novas normas que visam dar maior eficiência à prestação jurisdicional, como a Lei nº 11.417 e a Lei nº 11.418, de 2006 e já em vigor, que tratam, respectivamente, das súmulas vinculantes e da repercussão geral, ambas no âmbito do Supremo Tribunal Federal (STF), sendo que a novíssima Lei nº 11.672 não foge a essa regra, buscando uma melhoria do Judiciário como um todo.

Contudo, o direito não é uma ciência exata e ainda que a tardança da prestação jurisdicional frustre a real função do processo, o novo artigo 543-C do Código de Processo Civil, bem como todos aqueles criados nessa revolução, deverão ser aplicados com bastante cautela para que a agilidade no julgamento dos feitos não tropece na Justiça, em seu sentido mais primitivo. Não se pode permitir que o anseio pelo desafogamento de nossas cortes de Justiça, com a solução de casos de maneira uniforme, adquira um caráter cogente tal que impeça os juízes de decidirem livremente de acordo com sua convicção pessoal.

É difícil, no entanto, acreditar na liberdade de julgamento dos magistrados quando eles se encontram atados a determinações como esta Resolução nº 7 do STJ, que praticamente lhes obriga a modificar suas decisões se essas colidirem com o acórdão proferido no julgamento do recurso especial afetado. O engessamento do Judiciário preocupa e o nosso papel é impedir que a vinculação desses julgamentos se dê de maneira absoluta, sob pena de ofensa ao princípio da isonomia, ao tratar igualmente os desiguais. Os elementos da lide que diferenciam o processo, ainda que semelhante a outros já julgados, deverão ser veementemente enfatizados, pois a gana pela diminuição do espólio de processos que se acumulam nos tribunais é tamanha que a própria Justiça acaba sendo esquecida.

Os méritos do novo artigo devem ser enaltecidos e sua aplicabilidade desejada, sem permitir, entretanto, o enrijecimento do direito, com uma jurisprudência irrestrita e imutável. A segurança jurídica almejada não se enquadra na irracionalidade de decisões inalteráveis. Afinal, de nada adianta um Poder Judiciário ágil, mas injusto.

Carla Severo Batista Simões é advogada gerente de contencioso do escritório de Décio Freire & Associados

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