Título: Petróleo bate recorde e preocupa mercados
Autor: Monteiro, Fábio
Fonte: Correio Braziliense, 02/03/2011, Economia, p. 11

O conturbado momento político vivido pela Líbia tem refletido diretamente na economia mundial, assustando os investidores. Em Nova York, o barril de petróleo para entrega em abril fechou ontem negociado a US$ 99,63, o maior valor desde 30 de setembro de 2008 ¿ a alta foi de 2,66%. Já em Londres, o preço do produto encerrou o dia US$ 3,62 mais caro, custando US$ 115,42. As incertezas do cenário líbio, somadas às constantes manifestações explodindo diariamente no norte da África e no Oriente Médio, contribuem para fazer a cotação do óleo disparar.

Ontem, foi a vez de o Irã colaborar com a tensão do cenário mundial. Confrontos entre forças de segurança e manifestantes ocorreram na capital Teerã. O tumulto ocorreu por causa de protestos em prol da libertação de dois opositores ao governo de Mahmoud Ahmadinejad. Já na Arábia Saudita, o temor é de que a onda revolucionária no mundo árabe afete a nação que mais produz petróleo no planeta. Nem mesmo a declaração dos sauditas assegurando a estabilidade na produção e distribuição foi considerada suficiente para acalmar o planeta.

O ministro da Fazenda, Guido Mantega, tentou minimizar os problemas, mas admitiu os riscos de as turbulências chegarem ao reino de Abdullah. ¿Por enquanto, a crise é limitada. O importante é que não atinja a Arábia Saudita¿, disse. Na Líbia, os poços estão quase totalmente sob controle dos opositores ao regime do ditador Muamar Kadafi. Com isso, a produção do óleo em todo o país ¿ cerca de 1,8 milhão de barris por dia ¿ está nas mãos dos rebeldes e não deve voltar ao normal tão cedo.

O panorama turbulento abre espaço para intensas especulações no preço do petróleo. Alguns analistas já acreditam que o barril pode fechar o ano acima de US$ 200. Mais realista, a União Europeia (UE) prevê um teto de US$ 100. ¿Com esse preço, o impacto no crescimento econômico na Europa ainda é relativamente limitado¿, afirmou o comissário europeu para Assuntos Econômicos e Monetários, Olli Rehn.

Na visão do diretor do Centro Brasileiro de Infraestrutura (CBIE), Adriano Pires, a indefinição política alterou as expectativas sobre o crescimento econômico global. ¿Antes dessas crises, todos esperavam um ano muito bom, principalmente com a força crescente dos Brics (acrônimo que reúne Brasil, Rússia, Índia e China, os mais promissores países emergentes). Mas o cenário pessimista acaba gerando impactos na inflação e nos juros no mundo inteiro¿, explicou. Para ele, a indefinição impede análises mais precisas. ¿O cenário pode ser agravado, porque ninguém sabe onde e como irão acabar essas guerras. Falar qualquer coisa em termos de valor é especulação.¿

A incerteza sobre os próximos acontecimentos é o que mais preocupa. O economista Clodoir Vieira, da corretora Souza Barros, ressaltou que o grande temor é que haja interferência na produção de petróleo. ¿Os problemas pareciam isolados e de fácil resolução, mas o que vemos é que não são tão simples como pensavam¿, destacou. A pressão no mercado externo, na opinião do analista, também tem agravado o pessimismo. ¿O medo de aumento das commodities (produtos básicos com cotação internacional) é evidente, principalmente em países que estão se recuperando das últimas crises.¿

¿Há uma mistura de fatores políticos, econômicos e especulativos envolvendo toda essa crise¿, comentou o professor Luiz Pinguelli Rosa, diretor da Coppe, instituto ligado à Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Ele lembra que cenários piores já explodiram na região, mas a dinâmica global de hoje gera uma tendência de menor impacto no resto do mundo. ¿Na década de 1970, por exemplo, havia uma dependência muito grande do petróleo gerado por esses países. Se o problema chegar ao Brasil, levará algum tempo e será enfraquecido.¿

Fuga para o ouro » Apoiado nas crises e tensões geopolíticas, o ouro bateu recorde histórico ontem. A onça (31,1 gramas) atingiu o valor de US$ 1.434,50. No mercado futuro, o metal também conseguiu um valor inédito, ao ser comercializado por US$ 1.433,40. Especialistas acreditam que o ouro deve subir ainda mais nos próximos dias, atraindo investidores inseguros com os rumos dos acontecimentos mundiais. Em momentos de turbulência, tende a haver uma fuga para o ouro, artigo considerado menos arriscado.

FMI prevê freio na retomada Um período prolongado de alta nos preços de petróleo devido à crise política nos países árabes deve frear o já lento processo de retomada da economia global, alertou ontem o diretor-gerente do Fundo Monetário Internacional (FMI), Dominique Strauss-Kahn. ¿É possível que o petróleo suba a US$ 110 ou US$ 120 por barril e isso pode afetar a velocidade da recuperação de todo o mundo¿, disse o principal executivo do Fundo, no Panamá.

Strauss-Kahn arriscou estimar o tempo a partir do qual os prejuízos seriam mais graves. ¿Eu diria que dois meses de preços elevados do petróleo poderiam tender a criar alguns problemas. Duas semanas talvez não sejam tão graves. Isso é administrável. Mas, com dois meses, embora seja difícil fazer prognósticos, medidas mais sérias deveriam ser tomadas¿, advertiu.

Na avaliação do economista francês, a elevação dos preços do petróleo e dos alimentos tende a produzir um desequilíbrio ainda maior na recuperação econômica entre os diversos países, após a crise iniciada em 2008. Se o raciocínio estiver correto, é possível esperar reflexos negativos mais acentuados nos países desenvolvidos, que perdem terreno no movimento de retorno do nível de atividade para os emergentes.

Ontem, o presidente do Federal Reserve (Fed, o Banco Central dos Estados Unidos), Ben Bernanke, também afirmou que a escalada na cotação do petróleo vai prejudicar a recuperação da economia norte-americana, muito dependente do consumo de combustíveis fósseis.

¿Uma alta duradoura dos preços do petróleo e de outras matérias-primas representaria uma ameaça tanto para o crescimento econômico como para a estabilidade de preços, particularmente se isso provocar divergências nas expectativas de inflação¿, afirmou Bernanke em audiência no Comitê de Finanças do Senado. Ele disse acreditar, entretanto, que o mais provável é que o atual momento leve, no máximo, a uma elevação ¿temporária e relativamente modesta¿ nos índices de preços ao consumidor.