Título: Andando em círculos, ministros protelavam o fim
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 30/07/2008, Brasil, p. A3

Pascal Lamy, diretor-geral da Organização Mundial do Comércio (OMC), ainda tentou, até às 17h40 em Genebra, adiar o anúncio do fim da Rodada Doha O Brasil e a União Européia (UE), juntamente com o diretor-geral da Organização Mundial de Comércio (OMC), Pascal Lamy, não se conformavam com o colapso e ainda queriam tentar ontem concluir a negociação global de liberalização, segundo participantes das discussões.

Durante todo o dia, houve uma variedade de propostas - algumas que nem chegaram à mesa dos ministros - sobre a aplicação da salvaguarda para países em desenvolvimento frearem importações agrícolas. Num momento era a Índia que recusava, em outro os Estados Unidos. O confrontos foi sobre o gatilho para usar a salvaguarda, se a partir de aumento de 15% das importações, como queria a Índia, ou só a partir de 40%, como estava no pacote de Lamy, e que os EUA não aceitavam mudar.

Na busca do acordo, o ministro brasileiro das Relações Exteriores, Celso Amorim, mandou dizer que o que os EUA aceitassem com a Índia, o Brasil também aceitaria, apesar da sensibilidade da questão de salvaguarda para exportadores brasileiros.

No entanto, a quebra da rodada acabou acontecendo entre os próprios técnicos. Os chineses contestaram a mediação do negociador europeu e sua proposta. O representante da Índia apoiou, e os dois emergentes deixaram a sala. A partir daí, o mediador europeu relatou o rompimento aos ministros, que deixaram de rodar em círculos e tiveram de assumir o fracasso.

Pela manhã, numa reunião de ministros de 30 países, a impressão geral tinha sido de que Amorim e os comissários europeus de Comércio, Peter Mandelson, e Agricultura, Marian Fischer-Boel, ainda seguravam a rodada. O ministro sul-africano Rob Davies deixou o encontro avisando que não tinha o que levar de volta para casa para convencer sua indústria a aceitar um acordo. Na outra direção, o embaixador do México, Fernando de Mateo, dizia decepcionado: "Acabar a rodada seria uma enorme estupidez. Não quero nem falar nessa possibilidade".

Já na reunião dos sete países - Brasil, EUA, UE, China, Índia, Japão e Austrália - o ambiente era menos tenso do que nos dias anteriores, mas não sem menos gafes. Como a do ministro indiano de Comércio, Kamal Nath, que não conhecia um símbolo matemático (igual ou maior) numa negociação repleta de números. O ministro japonês parecia perdido na tradução. Numa das reuniões, quando Lamy falou em fazer "confessionários" - que no jargão da OMC quer dizer se encontrar individualmente com cada ministro -, o japonês comentou aliviado: "Que bom trazer os profissionais". Todos riram.

A tensão nos corredores da OMC aumentava diante de informações desencontradas sobre o que acontecia andares acima. Às 14h30, o embaixador do Paraguai, Rigoberto Gaudo, chegou avisando que tinha instruções para rechaçar o acordo se houvesse um acerto sobre salvaguarda especial que permitisse uma alíquota acima da rodada anterior. Os paraguaios se mostraram surpresos em não ter o apoio da Argentina. Quanto ao Brasil, o Paraguai entendia a posição porque o país lidera o G-20 e não queria implodir o grupo.

Mais tarde, um porta-voz da UE desceu da sala de reunião e resumiu o ambiente no G-7: "Ninguém tem coragem de dizer que a rodada terminou e ficam rodando em círculos". Até que às 17h40, no horário de Genebra, a rodada morreu. (AM)