Título: Mercosul e UE podem retomar negociações no segundo semestre
Autor: Leo , Sergio
Fonte: Valor Econômico, 30/07/2008, Brasil, p. A4

O Mercosul deve buscar, no segundo semestre, a retomada do acordo de livre comércio com a União Européia (UE), em conseqüência do colapso das negociações de liberalização comercial na Organização Mundial de Comércio (OMC). Segundo diplomatas brasileiros, o fiasco da tentativa de acordo em Genebra deve levar, no mínimo, à paralisia nas discussões sobre um acordo multilateral e deixar mais tempo aos diplomatas brasileiros para retomar a discussão com os europeus.

Nada será feito, porém, antes de setembro, e tudo depende da avaliação que os governos devem começar a fazer sobre o significado dos acontecimentos na OMC. Os negociadores europeus têm mandato para negociar um acordo com o Mercosul, mas segundo orientação dos governos da UE, são obrigados a "levar em conta" as condições políticas e econômicas estabelecidas com a negociação da Rodada Doha.

"A decisão sobre a retomada das negociações do acordo não está em nosso campo, está no deles, que precisam de um mandato para voltar à mesa", comentou o subsecretário-geral de Assuntos Econômicos e Tecnológicos do Itamaraty, Roberto Azevedo, coordenador dos negociadores brasileiros.

"O que o mandato diz é que temos de levar em conta a rodada. O que temos de fazer é avaliar francamente o que se passou em Genebra e decidir os próximos passos", diz o embaixador da UE no Brasil, João Pacheco, que reconhece, porém, ser difícil essa avaliação em agosto, mês de férias coletivas na Europa. "A UE tem interesse em combater as tendências protecionistas, é extremamente importante que o mundo não se feche", diz ele.

Uma das conseqüências do fracasso na OMC, porém, é o enfraquecimento da Comissão Européia, que negocia em nome dos 27 países do bloco, e o fortalecimento de governantes que apostaram no endurecimento durante a negociação, como o presidente francês Nicolas Sarkozy, que polarizou as posições protecionistas da Europa.

Segundo um embaixador europeu com experiência em negociações de comércio na OMC, o Brasil teve uma única vantagem com os desdobramentos das discussões em Genebra: o ministro de Relações Exteriores, Celso Amorim, firmou-se como negociador bem-intencionado. Antes, argumenta o embaixador, Amorim tinha fama de "cabeça-dura", negociador aferrado a certas demandas. Na OMC, ele teria saído em tempo da "carroça da intransigência", e mostrado ter o apoio do presidente Lula. As declarações do ministro da Agricultura, Reinhold Stephannes, desfavoráveis ao acordo na OMC, geraram dúvidas, entre os embaixadores europeus, sobre as reais intenções do Brasil na OMC.

Desolados e esgotados fisicamente, Amorim e seus principais auxiliares em Genebra diziam ontem ser cedo para traçar os próximos passos na estratégia comercial brasileira. Azevedo fez questão de afirmar, porém, que os acordos bilaterais "nunca deixaram de ser prioridade". A concentração de esforços para chegar a algum resultado na OMC em um momento decisivo teria ocupado a atenção do Mercosul e de todos os parceiros comerciais do bloco, argumentou. "Se, como parece, se desacelerar a discussão da OMC, que deve passar por uma paralisia, é natural que tenhamos mais tempo para dedicar às outras negociações."

Em Brasília, os diplomatas lembravam que há uma "definição conceitual" no governo brasileiro em favor da retomada das negociações com a UE, que podem ser facilitadas pelas definições alcançadas antes do fiasco em Genebra, sobre limites nas concessões em matéria de barreiras ao comércio de produtos industriais e agrícolas, cotas européias para produtos do Mercosul e redução de tarifas aceita pela indústria no Brasil.

O Brasil tem previstas para o segundo semestre negociações de comércio com o Marrocos e Jordânia, a conclusão formal do acordo de reduções de tarifa entre Mercosul e União Aduaneira da África Austral (liderada pela África do Sul) e aprovação, no Congresso, de acordos firmados com Israel e Índia - só após aprovado este último, os governos poderão retomar conversas sobre ampliação da lista de tarifas reduzidas no comércio entre indianos e o Mercosul.

Nenhum desses acordos tem a abrangência e o impacto que teria um acordo firmado com a UE, e, na maioria, são limitados a alguns produtos. Há, ainda, uma dúvida sobre as condições para a Argentina participar ativamente das concessões a serem feitas em matéria de redução de tarifas industriais, já que o país passa por turbulências econômicas e políticas.

Não se acredita, no Itamaraty, que as divergências expostas entre os governos do Brasil e Argentina tenham reflexos negativos nas futuras negociações - em parte porque as equipes técnicas responsáveis pelos acordos bilaterais são diferentes das que se desentenderam em Genebra; e também porque ficou explícita a tentativa do Brasil, nos dias finais, de acomodar as sensibilidades da Argentina, mesmo que, para isso, fossem necessárias concessões do Brasil ao parceiro, dentro do Mercosul. As equipes dos dois governos ainda estão "digerindo" os resultados em Genebra, e ainda não conversaram sobre os passos seguintes.