Título: Setor privado elogia governo e lamenta fracasso de Doha
Autor: Landim , Raquel
Fonte: Valor Econômico, 30/07/2008, Brasil, p. A5

Andre Nassar: "Depois de todo o esforço, tinha substância. É frustrante" "É uma pena." Essa foi a expressão mais ouvida ontem, em São Paulo, entre empresários que acompanhavam com ansiedade o que ocorria na sede da Organização Mundial de Comércio (OMC), em Genebra. O setor privado - agricultura e indústria - lamentou o colapso das negociações da Rodada Doha. A avaliação geral era de que o Brasil conseguiu um delicado "equilíbrio" interno, que será difícil repetir.

Os empresários jogavam a culpa pelo fracasso na Índia e/ou nos Estados Unidos, mas poupavam o governo brasileiro. Até os críticos mais ferrenhos do Itamaraty, desta vez, diziam que a diplomacia privilegiou os interesses econômicos em vez dos políticos, ao apoiar o acordo e não concordar com a postura defensiva de Índia e Argentina.

"O acordo era frágil, pouco ambicioso, cheio de exceções, mas tinha ganhos significativos", disse Matheus Zanella, assessor técnico de comércio exterior da Confederação de Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA). "Depois de todo o esforço, tinha substância. É frustrante", afirmou André Nassar, diretor-executivo do Instituto de Estudos do Comércio e Negociações Internacionais (Icone), "think-tank" financiado por associações agrícolas. "É um importante patamar para o futuro que nós perdemos", disse Roberto Rodrigues, ex-ministro da Agricultura.

As exportações do agronegócio aumentariam US$ 4,9 bilhões apenas com cotas para carne bovina, frango e etanol na União Européia e nos EUA, revelou estudo do Icone. Além das cotas em produtos sensíveis, um pacote de compromissos estava quase garantido: fim dos subsídios à exportação, limite menor para os subsídios americanos, teto de subsídio por produto, implementação do painel do algodão.

Para Nassar, o fracasso é muito preocupante, porque ocorreu depois de intensa barganha baseada em números concretos. Ele responsabiliza indianos e chineses, mas absolve os EUA e o Brasil. "Não posso culpar os americanos por serem ofensivos", disse. O especialista aplaudiu a estratégia brasileira, que ficou ao lado dos países exportadores emergentes e se distanciou da Índia e Argentina, que pareciam não desejar a rodada. "Todas as escolhas do Itamaraty foram pelo acordo."

Pedro de Camargo Neto, presidente da Associação Brasileira da Indústria Produtora e Exportadora de Carne Suína (Abipecs) e idealizador do contencioso do algodão contra os EUA, é mais duro com os americanos e disse que a situação era muito "cômoda". Na sua opinião, o diretor-geral da OMC, Pascal Lamy, errou ao pressionar poucos os EUA. Se os americanos tivessem oferecido mais, avaliou, a Índia também teria sido forçada a se mover. Camargo Neto é um dos poucos que não lamentavam o colapso, porque temia o impacto das salvaguardas especiais nas vendas brasileiras para os asiáticos.

O agronegócio é o mais beneficiado pela rodada, mas não o único frustrado ontem. Até os representantes da indústria, que seriam chamados a "pagar a conta" do acordo, demonstravam desapontamento com o fracasso. Segundo Mário Marconini, diretor de relações internacionais da Federação das Indústrias do Estados de São Paulo (Fiesp), um intenso trabalho de coordenação entre setor privado e governo havia permitido um "equilíbrio" entre agricultura e indústria, que será difícil de repetir.

"Sempre existe um custo em baixar as tarifas, mas a abertura controlada é boa para o país, porque fortalece a economia", disse Marconini. Na sua avaliação, alguns setores seriam prejudicados, mas uma queda de 12% na tarifa média consolidada em dez anos, como estava previsto no acordo, era bastante razoável. "Tínhamos tempo para cobrar o governo por melhorias de competitividade na economia para compensar", disse.

Para o representante da Fiesp, o ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, "fez todo o possível" para salvar a Rodada Doha nos últimos dez dias. "Isso temos que reconhecer", afirmou. A Fiesp é uma das entidades mais críticas a uma postura política em negociações comerciais e várias vezes atacou o Itamaraty por privilegiar a aliança com os países pobres em detrimento de ganhos nos mercados dos países desenvolvidos.

"Chegamos muito perto. Era um acordo menos ambicioso que o inicial, mas ainda assim um avanço em relação ao que temos hoje na OMC", afirmou Soraya Rosar, gerente do departamento de negociações internacionais da Confederação Nacional da Indústria (CNI), que ontem ainda acompanhava as negociações em Genebra.

Segundo ela, o colapso da Rodada Doha será um fator a mais de incerteza no cenário internacional, que já está abalado pela explosão dos preços dos alimentos e pela crise financeira nos Estados Unidos. "Vai ter reflexos para a economia em geral", afirmou. "A crise dos alimentos poderia ter sido uma alavanca para a rodada, mas não foi possível", completou.

Um dos segmentos da economia que mais temiam os efeitos do acordo, por contar com uma proteção tarifária de 35% (o máximo consolidado pelo Brasil na OMC), o setor automotivo também estava satisfeito com a postura do governo brasileiro em Genebra. "Durante todo o tempo, houve uma posição sólida de respeitar os limites da indústria", disse Jackson Schneider, presidente da Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea).

O desânimo entre os representantes da agricultura e da indústria, que acompanham de perto as negociações, era tão generalizado ontem que ninguém arriscou uma aposta de quando as negociações podem ser retomadas. "Não vejo chance no curto prazo depois de tudo que vimos por aqui", disse Soraya.