Título: Colheita de resultados
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 30/07/2008, Especial, p. F1

Para muitos pequenos e médios produtores rurais, apostar em projetos agroindustriais é uma forma de agregar valor a suas produções e obter maior rentabilidade. Como observa Arnoldo de Campos, diretor de geração de renda e agregação de valor do Ministério do Desenvolvimento Agrário, dois fatores têm contribuído para que esse movimento em direção à agroindústria se intensifique nos últimos anos. O primeiro é a demanda dos consumidores por produtos alimentícios diferenciados, que representem uma alternativa às marcas tradicionais.

O segundo fator é a maior facilidade de acesso ao crédito. O governo federal, por exemplo, disponibiliza o Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar - Pronaf Agroindústria -, que concede financiamentos para projetos individuais de até R$ 18 mil e para coletivos de até R$ 500 mil, com juros que variam de 1,5% a 3% ao ano e prazo de oito anos, com três de carência. Entre 2003 e 2007, o Pronaf Agroindústria financiou 10 mil projetos, apoiando 70 mil famílias produtoras rurais. A expectativa é que até o final de 2010, outros 16.300 projetos sejam financiados, com 114 mil famílias beneficiadas. "Nossa previsão é que apenas neste ano sejam liberados mais de R$ 500 milhões em crédito para agroindústrias", diz Campos.

Vários governos estaduais também disponibilizam linhas de crédito específicas para a atividade. Em São Paulo, os financiamentos para agroindústrias são de até R$ 200 mil para o agricultor e até R$ 400 mil para cooperativas, com juros de 3% ao ano e prazo de até sete anos, com dois ou três anos de carência. Segundo a Secretaria de Agricultura do Estado, desde que o programa foi criado, em 2005, já foram liberados R$ 3,8 milhões que atendem a 49 projetos.

Arnoldo de Campos relata que além da oferta de crédito, a capacitação dos gestores de pequenas agroindústrias também é uma das prioridades do governo federal. Para isso, o ministério tem desenvolvido parcerias com governos estaduais e instituições como Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural (Emater), Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) e o Serviço de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae). São três as linhas de cursos ofertadas: concepção de projetos agroindustriais, boas práticas de alimentação e gestão agroindustrial.

Na Embrapa, a unidade Agroindústria de Alimentos planeja capacitar trezentos extensionistas em 2008, que terão a missão de auxiliar os produtores rurais a adotar técnicas de boas práticas de alimentação e, assim, conferir segurança alimentar aos produtos processados em suas agroindústrias e também a reduzir desperdícios.

Um crédito de R$ 36 mil do Pronaf Agroindústria e o apoio técnico da Embrapa e da Emater foram decisivos para a produtora de pimenta e morango Verônica Tuchtenhagen desenvolver a pequena agroindústria Sabor da Colônia, na qual estão engajados os cinco membros de sua família e um funcionário Os Tuchtenhagen são de Turuçu, cidade gaúcha conhecida pela produção de pimenta. A decisão de investir em uma agroindústria ocorreu em 2005. "Pimenta, aqui em Turuçu, muita gente produz, queríamos nos diferenciar, agregando valor à nossa produção", explica a pequena empreendedora.

Atualmente, os Tuchtenhagen produzem cinco mil toneladas anuais de pimenta e outras cinco de morango. Um pouco mais de um terço dessa produção é vendida in natura em feiras livres na região. O restante é processado pela Sabor da Colônia, que produz geléias, molhos, azeites entre mais de 100 itens que são comercializados em pequenas lojas de produtos artesanais no Rio Grande do Sul e em Santa Catarina.

Verônica está muito satisfeita com os resultados. Enquanto o quilo de morango in natura é vendido na feira por no máximo R$ 5,00 e o quilo de pimenta por R$ 10,00, um pote de 290 gramas de geléia de morango ou de pimenta é vendido por R$ 3,80. "Antes, minha renda mensal não chegava a R$ 3 mil. Hoje, está perto de R$ 6 mil. Dobrou com a agroindústria", diz a empreendedora, que este ano começa a pagar o financiamento do Pronaf.

Crédito e mercado aquecido, porém, não são garantias de sucesso. Na avaliação do especialista em agricultura familiar Roberto de Assumpção, pesquisador do Instituto de Economia Agrícola (IEA), o proprietário rural precisa superar uma série de barreiras pessoais ao migrar para a agroindústria. A principal delas é uma mudança de mentalidade. "O homem do campo pensa muito em produção, mas pouco em gestão e menos ainda em estratégia de distribuição e mercado", diz o pesquisador. Não existem estatísticas sobre mortalidade de agroindústrias. Mas, na percepção de Assumpção, o índice é alto.

O problema, acredita o pesquisador, é que o produtor rural não sabe dimensionar a demanda de seus produtos, o que acaba gerando investimentos desproporcionais e capacidade produtiva incompatível com o mercado. "É preciso ter uma estratégia definida, para depois investir na estrutura. A maioria dos produtores rurais só percebe isso depois do prejuízo estabelecido", afirma.

Opinião semelhante apresenta Silvio César de Souza, analista de agronegócios do Sebrae. "Uma agroindústria exige investimentos altos. Só é viável para quem tem um bom plano de negócios", avalia o consultor. Para apoiar o produtor rural e reduzir os riscos dos investimentos, o Instituto de Economia Agrícola oferece uma consultoria de geomarketing e gestão de custos (veja matéria na página F3). O geomarketing, explica Assumpção, auxilia o produtor a detectar oportunidades e a planejar sua produção de acordo com a demanda do mercado. Já o Sebrae oferece consultoria e capacitação mercadológica, de gestão e de tecnologia de produção.

O cafeicultor Luiz Henrique Vianna Tucunduva, por exemplo, contou com o apoio do Sebrae para comandar uma guinada nos negócios de sua família. Tucunduva comanda há 30 anos a Fazenda São Caetano, em Timburi, no interior paulista. Propriedade desbravada por seu bisavô e que está com sua família desde 1895. O plantio soma 150 hectares de café tipo arábica, que gera uma colheita de 300 toneladas de grãos verdes por ano, destinados majoritariamente ao comércio exterior.

Há dois anos, o cafeicultor decidiu investir no processamento de sua produção. O desafio, porém, era fugir da concorrência direta das grandes torrefadoras de café. O produtor concebeu então uma empresa especializada em serviços terceirizados de café expresso para o mercado corporativo, a Café Tucunduva. O empreendimento exigiu investimentos de R$ 400 mil destinados a aquisição de equipamentos para torrar e embalar o café, máquinas de café expresso importadas da Itália e o desenvolvimento e implantação de estratégias de marketing, comercialização e distribuição. A Café Tucunduva já soma 61 máquinas de café expresso instaladas em 33 empresas.

Para essa operação, o cafeicultor destina 12 toneladas de sua produção. "Os resultados são excelentes", afirma Tucunduva. O quilo de café verde da Fazenda São Caetano é comercializado por R$ 4,00. Já o quilo do café em xícara rende ao empresário R$ 36,00, com uma margem de lucro de 35%. "Cansei de plantar e não saber se as cotações da commodity me darão lucro ou prejuízo na hora da colheita", diz o empreendedor, que planeja beneficiar 60 toneladas de café em 2009 e, gradualmente, converter toda sua produção para o mercado corporativo. "Estou deixando o vulnerável mercado de café em grão, para entrar no lucrativo negócio do café em xícara", define o empreendedor.

Beno Zaterka, proprietário da Fazenda Santa Maria, em Itapira, também no interior paulista, da mesma forma contou com o apoio do Sebrae para mudar o seu destino. Após produzir leite por 12 anos, Zaterka desanimou-se com os baixos preços obtidos e, há cinco anos, começou a procurar alternativas de negócios. Chegou a estudar a produção de derivados de leite, como iogurtes. Mas, desistiu diante da grande concorrência que há no segmento. "Queria entrar em um mercado pouco explorado, com perspectivas de crescimento", relata o produtor rural. O negócio escolhido foi o da criação e abate de ovinos. Zaterka investiu na criação de ovelhas, mas também em um abatedouro e em um frigorífico especializado na carne do animal, em equipamentos para embalagem a vácuo e em dois carros frigoríficos para fazer a entrega dos produtos.

Além disso, desenvolveu uma estratégia de marketing, que envolveu o desenvolvimento da marca Clube do Cordeiro. O empresário comercializa embutidos e vinte e dois diferentes tipos de cortes de ovinos junto a restaurantes sofisticados e grandes redes de supermercados. Para isso, o Clube do Cordeiro conta com vendedores em São Paulo, Campinas e Ribeirão Preto. As vendas também são feitas por uma equipe própria de telemarketing e em uma loja virtual.

Na Fazenda Santa Maria, Zaterka produz 100 ovinos por mês para abate. Mas, seu abatedouro absorve 150 animais por semana. Para garantir o fornecimento de matéria-prima, Zaterka incentivou a criação de uma associação de produtores de ovinos de Itapira, que já conta com quinze criadores e ele ainda compra a produção de criadores de fora da região. Toda essa operação exigiu um investimento de R$ 1 milhão. O faturamento mensal do Clube do Cordeiro chega a R$ 150 mil, com uma margem de lucro de 15%. "Hoje tenho uma das marcas mais conhecidas do mercado de ovinos. Não sou mais um fornecedor de produtos primários", comemora o empresário.