Título: Visita de Lula atenua tensão pós-Doha
Autor: Rocha , Janes
Fonte: Valor Econômico, 01/08/2008, Brasil, p. A5

Lula: visita é oportunidade para reforçar apoio à presidente da Argentina, que passa pelo pior momento desde a posse O presidente Luiz Inácio Lula da Silva chega domingo à noite a Buenos Aires para um encontro com a presidente Cristina Fernández de Kirchner, e na segunda-feira os dois se encontram com o presidente da Venezuela, Hugo Chávez. Oficialmente, a pauta da reunião entre os três presidentes é a "integração energética e segurança alimentar". Mas será também uma oportunidade para Chávez e Lula reforçarem o apoio à presidente da Argentina, que passa pelo pior momento desde que tomou posse em dezembro.

Cristina envolveu o governo em uma queda-de-braço com o setor agropecuário - em torno de um aumento de impostos nas exportações de grãos - e perdeu a briga. O projeto que elevava os impostos foi derrubado no Senado. Como efeito da desgastante disputa com os ruralistas, que durou quatro meses, ela perdeu mais de 30 deputados e senadores de sua base de apoio, além de ver sua imagem positiva junto à população despencar de 56% em janeiro para 20% em julho.

A imprensa local chegou a afirmar, com base em fontes não identificadas, que Cristina pensou em renunciar à presidência quando o projeto foi rejeitado no Senado. Segundo essas fontes, Lula e Chávez teriam telefonado a ela pedindo que reconsiderasse a decisão.

Lula e Cristina também vão tentar desfazer a imagem negativa gerada com o fracasso da Rodada Doha para liberalização do comércio internacional. Gestos positivos de ambos os lados estão sendo feitos para tentar apagar a imagem de traição do Brasil por ter aceitado a proposta de abertura comercial feita pela direção da Organização Mundial do Comércio (OMC), da qual a Argentina discordava.

O presidente Lula chega com uma comitiva de aproximadamente 200 empresários e o discurso de ampliar os investimentos brasileiros na Argentina. Cristina, por sua vez, mandou liberar 900 mil toneladas de trigo para exportar ao Brasil, reabrindo parcialmente as vendas externas do produto, que estavam fechadas desde novembro. A interrupção na venda de trigo da Argentina trouxe problemas para o Brasil, que importa do vizinho do Mercosul a maior parte do trigo que consome.

"A palavra traição é muito forte", amenizou Roberto Darío Pons, chefe do Departamento de Comércio e Negociações Internacionais da União Industrial Argentina (UIA). "Eu diria que o Brasil mudou suas prioridades e a defesa do Mercosul passou a um segundo plano", criticou o executivo da principal entidade representativa da indústria argentina.

Além da má impressão de Doha, a Argentina ainda amarga um crescente déficit no comércio com o Brasil. De acordo com os últimos dados divulgados pelo Instituto Nacional de Estatísticas e Censos (Indec), o déficit da Argentina no comércio bilateral atingiu US$ 2,7 bilhões no primeiro semestre de 2008, comparado a US$ 1,87 bilhão no mesmo período do ano passado.

Do total de US$ 28,1 bilhões importados pela Argentina entre os meses de janeiro e junho, US$ 8,9 bilhões vieram do Brasil. Já as exportações argentinas totalizaram US$ 33,3 bilhões, dos quais US$ 6,195 bilhões foram vendidos ao Brasil.

Lula chega no domingo à noite e oferece um jantar para Cristina na residência do embaixador brasileiro em Buenos Aires, Mauro Vieira. Na segunda-feira, ambos fazem o discurso de abertura do seminário "Argentina-Brasil, uma aliança produtiva-chave", e em seguida têm uma reunião de trabalho na Casa Rosada. A presença de Chávez foi confirmada pela embaixada da Venezuela em Buenos Aires, mas até o encerramento desta edição o horário não estava definido.

Do seminário pela manhã participam empresários, ministros e representantes de entidades industriais. Para a tarde está prevista uma rodada de negócios com representantes dos setores automotivo, autopeças, bens de capital, máquinas agrícolas, calçados, software, química e petroquímica, têxtil, turismo, alimentos e bebidas, biocombustíveis, madeira e móveis e pequenas e micro empresas.