Título: Peru busca nova relação econômica com o Brasil
Autor: Saccomandi , Humberto
Fonte: Valor Econômico, 01/08/2008, Especial, p. A12

O presidente peruano, Alan García, que deve visitar o Brasil em setembro O Brasil ainda não tem ligação rodoviária asfaltada com o Peru, terceiro maior país em área da América do Sul e quinta maior economia da região. Durante muito tempo a causa dessa desconexão foi o desinteresse brasileiro e o temor peruano. Mas isso está mudando. E o Peru conta com a aproximação, física e comercial, com o Brasil para dar um salto de qualidade na sua economia, atraindo investimentos brasileiros que permitam ao país agregar valor a seus produtos.

"O Brasil esteve muito tempo de costas para nós. Avançou muito na Amazônia, até quase a fronteira peruana. Os militares peruanos por muito tempo foram contra ter estradas ligando o país ao Brasil, pois temiam uma invasão", disse ao Valor o economista peruano Efraim Gonzales de Olarte, vice-reitor da PUC de Lima.

Esse temor pode não fazer muito sentido para os brasileiros, mas o Peru tem um histórico de conflitos (e derrotas) militares com seus demais vizinhos. Com o Chile, houve a Guerra do Pacífico, entre 1879 e 1981, quando os chilenos chegaram a ocupar Lima e tomaram um pedaço do território peruano. A Bolívia desde então ainda pleiteia uma saída para o mar, que pode envolver alguma concessão peruana. Com o Equador, houve uma acirrada disputa territorial, que quase levou os países à guerra em 1995 (esse conflito foi resolvido com mediação do Brasil). Com a Colômbia, houve guerra nos anos 30.

"Temos uma relação tensa com todos nossos vizinhos, menos com o Brasil", completou Gonzales.

Além de pacífica, a relação entre Brasil e Peru vem se intensificando nos últimos anos, como mostram o aumento do volume de comércio (veja gráfico abaixo) e o interesse crescente de empresas brasileiras no país andino.

O fluxo comercial este ano deve superar US$ 3 bilhões, com o superávit brasileiro chegando perto de US$ 1 bilhão. Até junho, último dado disponível, as exportações brasileiras cresceram 37,9% em relação ao mesmo período do ano passado. Já as importações cresceram só 2,8%.

Há um esforço do governo peruano para reduzir esse déficit, com ajuda do programa brasileiro de substituição competitiva de importações, que busca facilitar a compra nos países vizinhos de produtos adquiridos em outras regiões do mundo.

O Brasil compra principalmente minérios e metais. Mais de 90% das importações brasileiras são cobre, zinco, prata e chumbo, nessa ordem. Azeitona foi primeira produto não mineral em 2007, mas representou apenas US$ 9 milhões. Nas exportações brasileiras, o primeiro item da pauta é óleo, mas em seguida há extensa pauta de manufaturados.

Além disso, em poucos países da América do Sul as empresas brasileiras têm uma presença tão relevante como no Peru. Estão lá Petrobras, Vale, Gerdau, Ambev, Votorantim Metais, Vega, além das principais construtoras: Odebrecht, Andrade Gutierrez, Queiroz Galvão e OAS. Elas foram atraídas pelo forte crescimento do país e política agressiva de abertura a investimentos praticada há mais de 15 anos. "O Brasil entrou forte aqui", disse Gonzales.

Mas o Peru quer mais do Brasil. Espera uma participação importante no próximo salto qualitativo de sua economia: a produção industrial de maior valor agregado.

"A nossa relação com o Brasil se desenvolveu por etapas. A primeira foi assentar as bases com o acordo de 1998 com o Mercosul. A segunda foi iniciar as grandes obras de comunicação viária com o Brasil [ainda não concluídas]. A terceira foi atrair o interesse de grandes empresas brasileiras. Esperamos ingressar agora na quarta etapa, a de complementação industrial, regional, de recursos energéticos, de transportes", afirmou Antonio Castillo, diretor da ProInversión, a agência governamental de promoção de investimentos no Peru.

Ele citou como um primeiro passo importante nesta quarta etapa o esperado pólo petroquímico da Braskem, em parceria com a estatal PetroPeru e a Petrobras. As empresas assinaram em maio um memorando de intenções sobre o empreendimento, que implicaria investimentos de US$ 2,5 bilhões. O objetivo seria produzir polietileno, a partir do gás peruano, para vender aos mercados dos EUA e da Ásia. Para o governo peruano, além do investimento em si, o projeto é particularmente importante pois significaria a exportação de produto de maior valor agregado.

Há ainda muita expectativa no Peru sobre a atuação da Petrobras em gás e petróleo. A produção atual de gás, no projeto Camisea, é liderada por um consórcio argentino. O governo peruano espera agora trazer parceiros maior capacidade de investimento, para acelerar a prospecção e a exploração. Com a realização dos investimentos já previstos, o Peru seria o país em que a Petrobras explorará a mais extensa área fora do Brasil.

O país tem ainda uma série de projetos hidrelétricos, que poderiam ser construídos em regime concessão, com potencial de exportação de energia para Brasil e eventualmente Chile.

Essa integração econômica será estimulada com a ligação física. Em 2009 deve estar totalmente asfaltada a rodovia interoceânica sul, que ligará o Acre ao Oceano Pacífico, via Peru. Em seguida, ficará pronta a interoceânica norte, que ligará a bacia do rio Amazonas com as rodovias peruanas, também até o Pacífico.

"Uma aproximação maior com o Brasil pode ser positiva, pois representa maior capacidade de integração industrial e tecnológica. O Brasil é o único país da região que faz ciência, que desenvolve tecnologia. Agora com as estradas, se vê o Brasil como uma oportunidade, mas também como uma ameaça à indústria peruana. Por isso, é preciso que se maneje bem essa integração", disse o economista Gonzales.

Apesar dessa preocupação com esse gigante relativamente desconhecido que é o Brasil, em geral há uma boa impressão da atuação das empresas brasileiras no país. "Não temos problemas ambientais nem trabalhistas com as empresas brasileiras. Pelo contrário, elas desenvolvem projetos de responsabilidade social aqui", disse o padre Gastón Garatea, professor da PUC de Lima e um especialista em pobreza e problemas sociais no Peru.

"Já a experiência do Peru com capital chinês é muito ruim. As pessoas não querem investimento chinês", afirmou padre Garatea, referindo-se ao maior investimento da China na América do Sul, a mina de ferro Shougang Hierro Peru, freqüentemente paralisada por greves (em julho ficou parada duas semanas) devido às más condições de trabalho.

Para apresentar as possibilidades de investimentos no país, o presidente peruano, Alan García, deve vir a São Paulo, possivelmente no final de setembro, acompanhado por uma importante missão, composta por até seis ministros e a maioria dos governadores dos departamentos (Estados) peruanos, além de empresários. O encontro será na Fiesp e deve ter a presença do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Haverá ainda eventos paralelos. Para difundir o país no Brasil, o Peru deve ainda patrocinar, e ser enredo, de uma escola de samba no Carnaval do Rio em 2009.

Esta é a terceira e última reportagem de uma série sobre a economia peruana