Título: Bancos médios apanham na bolsa
Autor: Balarin , Raquel
Fonte: Valor Econômico, 01/08/2008, Finanças, p. C8

Nove bancos brasileiros de médio porte perderam desde a abertura de capital, no ano passado, nada menos que R$ 6,4 bilhões de seu valor em bolsa, ou 34%, em média. Entre as empresas que fizeram ofertas iniciais de ações nos últimos três anos, o setor financeiro foi o que mais sofreu com a instabilidade no mercado acionário. O Banco Cruzeiro do Sul, que lançou ações em bolsa em junho do ano passado, teve uma desvalorização de 56,45% até o dia 30 de julho, ou seja, seu valor foi reduzido a menos da metade. O Pine, primeiro a fazer a oferta pública inicial (IPO, na sigla em inglês), em março de 2007, já acumula queda de 52,05% e agora vale R$ 828 milhões.

O comportamento na bolsa parece destoar da performance operacional dessas instituições, que, em geral, estão capitalizadas e apresentam grande crescimento nas suas carteiras de crédito. "Há um mau humor muito grande dos investidores institucionais estrangeiros, que foram os principais compradores das ações dos bancos", diz Fausto Vaz Guimarães Neto, superintendente de relações com investidores do Cruzeiro do Sul. Em algumas instituições, como o Indusval, a participação de estrangeiros na abertura de capital chegou a 90%.

Desde meados no ano passado, a crise que teve início no mercado imobiliário americano afetou fortemente os resultados dos bancos estrangeiros. Grandes fundos de investimento tomaram a decisão de sair de ações do setor financeiro - em parte para fazer frente aos resgates de cotistas e em parte porque passou a "pegar mal" ter papéis de banco na carteira. "Não importava se a instituição era do Brasil, da Rússia ou da Ucrânia. Houve uma venda generalizada de ações do setor bancário", diz Luiz Masagão Ribeiro, um dos controladores do Banco Indusval e presidente do conselho. Mesmo os grandes bancos brasileiros perderam valor de mercado, embora em uma proporção bem menor.

Os representantes de bancos médios não gostam de falar sobre o assunto, mas há outro fator que pesa na desvalorização dos papéis: o valor de lançamento das ações, que levava em conta uma expectativa de crescimento dos negócios em 2008 nos próximos anos superior ao que vem ocorrendo. Naquele momento, o que se esperava era que as taxas de juro continuassem caindo, estimulando o crédito. E, claro, ninguém esperava tamanha deterioração do cenário externo. "Os bancos que fizeram o IPO antes de outubro, de forma geral, tiveram que revisar para baixo as expectativas de resultados", afirma Alcir Freitas, analista da Itaú Corretora. "Os bancos tendem a continuar crescendo, mas o mercado penaliza as ações porque ainda está fresca na memória a forma como foram avaliados no IPO."

Os dois bancos com pior desempenho na bolsa estão entre aqueles que tomaram os polêmicos empréstimos pré-IPO para acelerar o crescimento. Os controladores do Cruzeiro do Sul tomaram crédito do UBS e os Pine, do Credit Suisse. Nos dois casos, os recursos foram injetados nos bancos como aumento de capital.

Os bancos de médio porte têm suas atividades ancoradas em operações de crédito, especialmente consignado (com desconto em folha de pagamento), para pequenas e médias empresas (middle market) e veículos. Para os que estão muito concentrados no consignado, os analistas fazem um alerta: o consignado não crescerá mais a taxas chinesas como nos últimos anos, porque já se aproxima da maturidade. Segundo dados do BC divulgados na terça, a participação do consignado no crédito pessoal, que cresceu sem parar até dezembro do ano passado, quando atingiu 57,5% do total, caiu nos últimos meses. Em junho, ficou em 56,1%.

Cruzeiro do Sul e Paraná são os bancos mais focados no consignado. No Paraná, responde por 85% dos negócios. No Cruzeiro do Sul, por 92% da carteira de crédito. O Pine, que tinha metade da sua atividade no consignado, começou a sair do negócio e agora está focando mais no middle market. Guimarães Neto, do Cruzeiro, diz que o banco não mudará seu foco. "As taxas de crescimento do passado não se repetirão, até porque hoje geramos R$ 300 milhões por mês, mas acreditamos que continuará a haver um crescimento orgânico." A geração de consignado está acima do projetado no IPO - a estimativa para 2008 era de R$ 270 milhões mensais.

O movimento de alta das taxas de juro básicas, iniciado em abril pelo Banco Central, também prejudicou essas instituições. Ao mesmo tempo em que tiveram seu custo de captação de recursos ampliado, apresentaram dificuldades de repassar essa elevação para o custo final dos empréstimos. A margem ficou espremida. Um bom exemplo disso está no crédito consignado. Em janeiro, a taxa de juro anual desse tipo de empréstimo era de 29,4%. Em junho, caiu para 27,7%, apesar de a Selic ter subido 1,75 ponto percentual no período.

O custo de captação subiu não só por conta da alta da Selic. Em janeiro, o BC instituiu o recolhimento de compulsório sobre captações feitas pelos bancos por meio de empresas de leasing - até então, uma grande fonte de recursos. A saída dos bancos, em especial dos grandes, foi aumentar a taxa de remuneração de seus Certificados de Depósito Bancário (CDB). Bancões de varejo chegaram a pagar entre 105% e 107% do CDI ao ano e os de menor porte, 110% e até 112% do CDI. Além disso, o prazo dos CDBs diminuiu, gerando descasamento de prazos entre ativos e passivos para os bancos. Muitas das instituições, altamente focadas no crédito para pessoa física, tiveram de alongar os financiamentos concedidos para que as prestações continuassem cabendo no bolso dos tomadores após a alta da taxa de juro.

O descasamento é visto como um risco relevante na opinião do analista João Augusto Frota Salles, do Risk Bank, especialmente porque não se espera no médio prazo um aumento da liquidez. A compressão das margens também terá efeito sobre o resultado no curto prazo, o que pode estar afetando a performance negativa das ações, avalia Salles. "O cenário não é dos mais animadores para os próximos 12 meses", diz. O aperto na margem dos bancos daqui para frente teve um outro ingrediente inesperado: o aumento de 9% para 15% da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL), que passou a valer em maio.

Poucos bancos divulgaram até agora os resultados do primeiro semestre. Mas entre os poucos já apresentados, como os de BMG e BBM, houve queda significativa no lucro. "Os resultados do segundo trimestre serão um divisor de águas. Vamos ver se a previsão que os bancos tinham para o ano será alcançada", diz Freitas, da Itaú Corretora.

Para Frota Salles, do Riskbank, as instituições de médio porte têm um grande desafio pela frente: "A demanda por crédito está grande, mas, mesmo capitalizados, alguns desses bancos terão de ser mais seletivos na concessão de financiamentos e terão de calibrar o juro para manter o spread". O analista diz que, em sua opinião, as ações de bancos médios continuam caras, apesar da queda.

Não é o que pensa Rodolfo Riechert, diretor do banco de investimento do UBS Pactual, que coordenou seis dos nove IPOs de instituições de médio porte. "O funding pode estar mais caro e afetar o crescimento no ano que vem, mas, se os bancos mantiverem o nível de lucro atual, em poucos anos o investidor recupera o valor aplicado", diz, referindo-se à relação preço das ações e lucro por ação do banco (ver quadro). "O dono sabe o valor do negócio."

Para demonstrar isso aos acionistas, praticamente todos os bancos têm feito operações de recompra de seus papéis. O ABC Brasil acaba de lançar um programa para comprar até 10% de suas ações em circulação. Antes dele, Paraná, Pine, Bicbanco, Daycoval e Sofisa fizeram o mesmo. A recompra parece fazer sentido estratégico neste momento, mas tem uma contrapartida negativa porque reduz ainda mais a liquidez já apertada dos papéis da maior parte dessas instituições. O Cruzeiro do Sul, que já estava no limite do "free float" mínimo de 25% exigido pelo Nível 1 de governança corporativa da Bovespa, teve que recorrer a uma operação diferente para sinalizar aos investidores que acredita na recuperação.