Título: Os municípios e a taxa de ocupação do solo
Autor: Rocha , Fábio Amorim
Fonte: Valor Econômico, 01/08/2008, Legislação & Tributos, p. E2

As concessionárias de distribuição de energia elétrica são proprietárias de milhares de postes, que suportam cabos, transformadores e a iluminação pública nos municípios, sendo a utilização desses essencial para a prestação do serviço público. Aliás, não se pode imaginar que as distribuidoras pudessem oferecer seus serviços sem usar os postes, pelo menos nos dias de hoje, em que a tecnologia ainda não inventou postes flutuantes ou virtuais. Essas distribuidoras, por força do disposto no Decreto nº 24.643, de 1934, no Decreto nº 41.019, de 1957, e no Decreto nº 84.398, de 1980, alterado pelo Decreto nº 86.859, de 1982, e dos contratos de concessão, são detentoras de servidão legal sobre estradas, caminhos, vias públicas, faixas de rodovias e de terrenos de domínio público, podendo ocupá-los, sem ônus, no desenvolvimento de suas atividades. Mas, apesar da legislação federal, municípios brasileiros estão cobrando valores referentes à taxa de ocupação do solo. Alerte-se que essas malsinadas taxas foram instituídas principalmente após a privatização do setor elétrico. Os entes municipais inventaram um pretenso crédito para fazer frente ao inadimplemento no pagamento das faturas de energia.

Ocorre que o fato gerador da taxa resulta sempre do exercício regular do poder de polícia ou da utilização, pelo contribuinte, dos serviços públicos postos à sua disposição, conforme o artigo 145, inciso II da Constituição Federal e o artigo 77 do Código Tributário Nacional (CTN). Nesse caso, não há qualquer tipo de serviço prestado pelos municípios, nem tampouco está caracterizado o exercício do poder de polícia que possa justificar a incidência do tributo instituído sob a denominação de taxa. Se estivermos diante de uma "taxa de poder de polícia", então tal exação é ilegal.

Os municípios não exercem qualquer controle quando da instalação/fixação dos postes nas vias públicas. A instalação de postes é imprescindível para os clientes receberem o serviço de energia elétrica em suas unidades consumidoras. Todavia, a simples fixação de um poste ao solo não tem relação com a estética urbana e à segurança pública, ou seja, os municípios não exercem qualquer controle na instalação/fixação dos postes nas vias públicas. Aliás, a imensa maioria dos postes foi fincada no solo há décadas, muito antes da promulgação dessas leis. A cobrança estaria sendo feita pela simples permanência dos postes nas vias públicas? E qual seria o poder de polícia exercido no presente caso?

Não há dúvida de que as vias onde estão fixados os postes utilizados pelas distribuidoras são bens de uso comum do povo e não bens pertencentes ao acervo municipal. Além disso, a competência constitucional em matéria de energia elétrica é da União e, qualquer violação dessa, como pretendem os municípios, configura um flagrante desrespeito ao princípio federativo, pois o interesse público nacional predomina sobre o municipal.

Assim, se à União e, por via delegada, às concessionárias é assegurado o direito à universalização de bens de domínio público para, no desempenho da concessão, promover a instalação de redes com apoio em postes e torres nelas colocados, está claro que nenhuma taxa municipal - como tributo que é - poderá incidir sobre essas operações. Quando muito, e mediante a promulgação de uma lei, admitir-se-ia a cobrança de uma taxa federal, já que é a União quem detém a competência para exercer o poder de polícia sobre as concessionárias de distribuição.

Além disso, nos contratos de concessão também foram atribuídos direitos e deveres as distribuidoras com vistas a viabilizar a prestação de um serviço eficiente e de qualidade. A cobrança da taxa, além de não ter base constitucional ou legal, configura uma patente violação ao ato jurídico perfeito que se constitui o contrato de concessão.

Essa proibição de onerosidade das atividades das distribuidoras decorre de um outro princípio de direito das concessões, que é o princípio da fixação da tarifa pelo custo do serviço. Onerado o serviço, esse ônus há, obrigatoriamente, de se refletir na tarifa. A taxa, além de ilegal, atinge, diretamente, todos os usuários do serviço prestado pelas distribuidoras, impactando, conseqüentemente, no princípio da modicidade tarifária, pressuposto fundamental para a prestação de serviço adequado.

Os tribunais de Justiça dos Estados e o Superior Tribunal de Justiça (STJ) têm decidido quanto à ilegalidade de tal cobrança pelos municípios, seja através da instituição de uma taxa pelo uso do solo público, pela cobrança de um preço público ou até mesmo pela tentativa de locar o espaço público. O direito das distribuidoras emerge da Constituição Federal, da legislação federal, da doutrina e da jurisprudência pátria. Caso a cobrança pretendida pelos municípios seja acolhida pelo Poder Judiciário, a mesma irá impactar a tarifa das distribuidoras, acrescendo um custo não previsto pelo poder concedente, pelo simples motivo de ser constitucionalmente incabível. Além disso, as distribuidoras, além de manterem adequadamente os serviços, estão obrigadas a assegurar sua expansão e universalização, não podendo, portanto, deixar de utilizar vias públicas municipais. O interesse público deve prevalecer sobre a função social da propriedade e os municípios devem suportar a restrição do seu direito de propriedade em relação à necessidade de instalação da rede elétrica das distribuidoras.

Fábio Amorim da Rocha é advogado, sócio do escritório Felsberg e Associados e sócio-fundador do Instituto Brasileiro de Estudos do Direito da Energia (IBDE)

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