Título: China prioriza segurança e não garante privacidade
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Fonte: Valor Econômico, 06/08/2008, Internacional, p. A11

Dezenas de milhares de taxistas em Pequim têm uma ferramenta que pode se tornar parte da campanha de segurança total da China para a Olimpíada. Seus veículos têm microfones - instalados para segurança do motorista - que podem ser usados para ouvir à distância o que os passageiros falam.

Os minúsculos aparelhos, conectados a um sistema de posicionamento global, tipo GPS, que pode localizar o carro por satélite, foram instalados em quase todos os 70 mil táxis da cidade ao longo dos últimos três anos, segundo taxistas e executivos do setor.

Assim como as câmeras digitais usadas em cidades como Londres ou Nova York, o propósito oficial dos microfones é proteger o taxista. Mas, embora outros países só possam gravar imagens, os táxis de Pequim podem ser ativados remotamente sem o conhecimento do motorista para vigiar os passageiros, segundo motoristas da Yaxon Networks, uma empresa chinesa que faz alguns dos sistemas usados em Pequim. Os aparelhos podem até desligar o motor à distância.

Não se sabe com certeza se esses microfones são usados para espionar os passageiros. Indagado se a polícia poderia ouvir conversas em táxis, uma autoridade policial de Pequim não quis comentar, dizendo que esse assunto era "confidenciais" e que não estava "autorizado a liberar tais detalhes ao público".

A China lançou uma grande operação para proteger os Jogos. O ataque fatal a uma delegacia de polícia em Xinjiang anteontem trouxe à tona o temor das autoridades de que terroristas ataquem a Olimpíada. O governo afirma ter destacado cerca de 110.000 policiais, soldados e voluntários em Pequim para garantir a segurança.

Mas as autoridades chinesas também estão determinadas a intimidar manifestantes ou ativistas de direitos humanos que possam tentar causar constrangimento ao governo. Taxistas foram instruídos a prestar atenção a comportamento suspeito ou pacotes estranhos.

Especialistas em segurança dizem ser pouco provável que todas as conversas em táxis sejam monitoradas. Mas a presença de microfones num ambiente que a maioria considera privado é um lembrete dos vários modos de as autoridades chinesas vigiarem pessoas com as quais estão preocupadas.

O Departamento de Estado dos Estados Unidos tem alertado os turistas americanos na Olimpíada de que nenhum lugar é à prova de escuta. "Todos os visitantes devem estar cientes de que não devem esperar ter privacidade em locais públicos ou privados", avisou o departamento em 20 de março.

A nota do Departamento de Estado diz que quartos de hotel e escritórios "são considerados sujeitos a monitoração in loco ou remota a qualquer momento. Quartos de hotel, residências e escritórios podem ser acessados a qualquer momento sem consentimento ou conhecimento do ocupante".

Especialistas em segurança dizem que todos os telefones da China podem ser escutados - inclusive celulares, que emitem sinais que podem ser usados para dar sua localização. Essa possibilidade só pode ser evitada removendo a bateria. Na reta final para os Jogos, Pequim já foi coberta por câmeras de vídeo para vigilância, enquanto comitês de bairro - representantes dos moradores para o governo - também foram convocados.

Sistemas GPS similares com microfones foram instalados em outras partes da China, onde taxistas foram recrutados para o esforço ampliado de segurança.

Na cidade de Shenyang, no nordeste do país, onde a seleção brasileira de futebol vai jogar, a polícia recrutou 38 mil taxistas como "agentes de inteligência", segundo a agência de notícias chinesa Xinhua. A cooperação deles é importante porque os motoristas rodam muito e conhecem muita gente, disse Liu Juntao, autoridade do departamento de transportes de Shenyang, segundo a Xinhua. A polícia de lá está oferecendo uma recompensa de 500 mil iuanes, cerca de US$ 73 mil, para pistas válidas sobre qualquer possível plano terrorista ou de sabotagem por parte de dissidentes.

Várias empresas de táxi de Pequim recusaram-se a comentar sobre os aspectos de segurança, mas disseram que o GPS ajuda a localizar os táxis e que microfones que também funcionam como alto falantes para serviços de tradução. Mais de dez taxistas disseram que os microfones foram instalados três anos atrás, quando novos táxis foram feitos sem proteção metálica em torno do motorista. Os taxistas podem ligar o sistema e avisar a central pressionando um botão discreto perto do volante.

Militantes de direitos humanos dizem temer a capacidade de ouvir conversas pelos aparelhos, o que parece ser peculiar da China.

"Isso parece sugerir um esforço da polícia ou outras forças de segurança para escutar conversas de passageiros, em vez da segurança imediata do taxista. Não é que ladrões vão discutir planos de roubar alguém pouco antes de cometer cometer o crime", disse Phelim Kine, da Human Rights Watch.

Um taxista de Pequim disse que ficaria incomodado se o aparelho em seu veículo tirasse foto dos passageiros. "Não gostaria de tirar uma foto dos meus passageiros sem que eles soubessem", disse ele, vestindo a nova camisa e gravata que os taxistas têm de usar durante a Olimpíada. "Isso não seria uma violação aos direitos humanos?"

A Yaxon Networks explica em seu website que os aparelhos de GPS permitem à polícia ou à central de serviços "julgar se o motorista está em perigo" via vigilância remota ou grampo. Se for necessário, a central pode imobilizar um táxi remotamente ao "cortar o suprimento de combustível ou eletricidade", diz a companhia.

Como parte de sua mobilização, o Exército chinês destacou 34 mil soldados para Pequim e outras cidades que terão eventos olímpicos, disse sexta-feira o coronel Tian Yixiang, uma alta autoridade do centro de comando de segurança. O Exército informa ter mobilizado lançadores de mísseis antiaéreos perto de locais de competições e que dedicou 74 aviões, 47 helicópteros e 33 navios para tarefas de segurança da Olimpíada.

"Em termos gerais, as forças chinesas se baseiam em antecipar-se às ameaças em vez de administrar crises ou responder à eventualidade de já haver algum incidente", disse Bonnie S. Glaser, especialista em segurança chinesa do Centro de Estudos Estratégicos e Internacionais, um centro de estudos privado de Washington. Ela citou o uso de microfones em táxis na China numa entrevista coletiva sobre a visita a Pequim do presidente George W. Bush amanhã.