Título: Uma nova maré baixista atinge as bolsas no mundo
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 06/08/2008, Opinião, p. A12

As sucessivas quedas nas bolsas mundiais indicam que a crise iniciada com as hipotecas de alto risco nos EUA está longe do fim. As ações brasileiras são particularmente castigadas porque a alta das commodities, um dos fatores de desestabilização da economia global mas que beneficiava as empresas do setor, foi interrompido e essas companhias têm um peso importante no Ibovespa. Até segunda-feira, a bolsa amargava uma queda de 13%, enquanto os resultados nos dois meses imediatamente anteriores não deixaram dúvidas sobre a intensidade do movimento baixista - -8,5% em julho e -10% em junho. Há mais turbulências pela frente.

A bolsa brasileira não reflete hoje a perspectiva para as empresas listadas, e, sim, as expectativas globais dos investidores externos, que fazem um terço do volume diário de transações na Bovespa. Pelo menos US$ 10 bilhões já bateram em retirada das ações locais em junho e julho, com diversos destinos. Boa parte do capital externo foi redirecionado para aplicações em títulos do Tesouro brasileiro, que pagam juros imbatíveis e crescentes, aquilo que o ex-ministro Delfim Netto batizou como o "único peru com farofa disponível fora do Dia de Ação de Graças" (Valor, 4 de agosto). A outra fatia dos recursos externos foi cobrir perdas em investimentos em outros locais. Olhando-se o mapa do desempenho das bolsas globais, ele apresenta um movimento quase que sincronizado para baixo.

As bolsas que mais subiram nos últimos tempos estão naturalmente entre as que mais perdem agora. O presságio de instabilidade nos mercados ocorreu com uma súbita e forte queda da bolsa de Xangai, em março de 2007. Esta baixa foi suave se comparada às que vieram depois - o índice de ações chinesas já recuou 47,89% no ano. O índice Sensex indiano caiu 28,2% e o RTS russo, 17,23%. As perdas não se restringem às ações de companhias dos BRIC, mas atingem em cheio as americanas - o Índice Dow Jones recuou 14,9% no ano - e as européias, que acumulam perdas maiores. No ano, até julho, o FTSE Euro declinou 24% e o Nikkei, das ações japonesas, 12,7%. Praticamente todas as bolsas relevantes no mundo estão com desvalorizações de dois dígitos, e o movimento de correção prossegue.

A nova onda baixista decorre da perda de fôlego do mercado de commodities, puxada pelas cotações do petróleo. O mercado de commodities foi uma aposta segura quando havia alguma certeza de que boa parte do mundo, especialmente os emergentes, não seriam afetados pela desaceleração dos EUA. Essa certeza se evaporou, embora isso não signifique que as commodities desabarão, mas, sim, que seu pico ficou para trás e que a força da inversão de rumos será determinada pela profundidade do desaquecimento global. Como as economias dos principais países em desenvolvimento ainda estão aquecidas - algo que deveria sustentar algum otimismo nas bolsas, o que não está ocorrendo - , o movimento de acomodação, ao que tudo indica, não será brusco. Da mesma forma, as economias dos EUA e Europa devem namorar com a recessão, sem entrar nela, por um período prolongado.

Há poucos fatores que podem impulsionar para cima os preços das ações. Nos EUA e Europa, o consumo está em desaceleração, a inflação em alta e os papéis dos bancos continuam a levar enormes surras, enquanto a lucratividade das empresas, embora boa, perdeu o brilho. Com Nova York amarrada ao pessimismo e investidores externos retraídos, a bolsa brasileira só poderá se apoiar em fatores locais para reagir à maré negativa. Os juros estão em alta, mas desta vez há boa possibilidade de que a desaceleração da economia seja lenta e suave, sem provocar grandes solavancos na boa rentabilidade das empresas, que estão em geral bem capitalizadas e investindo. O custo dos créditos domésticos e externos aumentaram e devem desencorajar planos de expansão mais agressivos em gestação, sem que nenhuma reviravolta ocorra, se a economia mundial não desandar. Há chances de ganhos nos pregões e bons papéis, só que as aplicações na bolsa entraram em uma fase claramente defensiva - não há nenhuma indicação de que as coisas irão melhorar a curto prazo.