Título: Como os executivos se tornam headhunters
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 06/08/2008, EU & Investimentos, p. D14

Ana Paula Montanha foi convidada pelo headhunter que a entrevistava para se tornar diretora da própria empresa, a Fesa Poucas profissões são tão intrigantes como a dos headhunters, aqueles que têm como missão encontrar os executivos certos para preencher posições de liderança nas empresas. Venerados por alguns, temidos ou desprezados por outros, esses "caçadores" têm nas mãos o poder de mudar a vida profissional- e a pessoal - de centenas de talentos que abordam a cada ano.

Eles circulam pelos bastidores do mundo corporativo, conhecem minuciosamente o mercado de trabalho e são muito bem remunerados, mas o curioso é, mesmo com todo o glamour que cerca essa profissão, a grande maioria dos que estão nela foi parar lá por acaso.

Há razões que explicam essa característica particular do setor. Uma delas é que esse mercado ainda está em amadurecimento no Brasil (veja matéria ao lado), e não existem sequer cursos de pós-graduação ou especialização em "executive search", nome dado nos Estados Unidos ao recrutamento de executivos. A outra é que, quanto mais variado o perfil dos consultores, melhor, porque a especialização os ajuda a falar a mesma língua dos clientes.

São administradores, engenheiros, profissionais de marketing, de tecnologia da informação, advogados, psicólogos, médicos e até dentistas que, quando entrevistados por um headhunter como candidatos a uma vaga no seu setor de atuação, foram surpreendidos com um convite para se mudarem para "o outro lado do balcão".

É o caso do engenheiro Jacques Sarfatti, hoje sócio da Russell Reynolds. Ele concorria a uma posição de diretor de operações em uma multinacional, mas despertou a atenção da presidente da consultoria, Fátima Zorzato, que num determinado momento da entrevista desviou o assunto e o convidou para trabalhar com ela. Isso aconteceu em 1999, quando o escritório tinha apenas dois anos de operação no Brasil. Sarfatti lembra que, aos 37 anos, em plena fase de ascensão profissional, chegou em casa depois da entrevista dizendo que aquela mulher "estava louca".

Hoje, graças à insistência da sua esposa, ele diz que encontrou sua vocação. "Gosto muito do trabalho de consultoria, e também me atrai nessa profissão a possibilidade de lidar com uma grande diversidade de indústrias, problemas e pessoas", conta.

O que levou Fátima a convidá-lo para atuar com recrutamento de executivos, dirigindo a área industrial, foi uma composição de características: a experiência prévia em consultoria (trabalhou por oito anos como consultor da ex-Arthur Andersen, atual Accenture, na área de projetos industriais), a bagagem em gestão ocupando posição de alto nível (foi diretor de operações da Rheem Metalúrgica e a Alcoa), a boa formação educacional (engenheiro graduado pela PUC-SP com MBA executivo na Universidade da Califórnia, em Berkeley), conhecimentos gerais e a habilidade para lidar com pessoas.

Sarfatti resume o que se pode chamar de perfil ideal de um headhunter: tem que conhecer muito bem a sua indústria, ter gerenciado projetos e equipes, construído uma boa rede de contatos e, acima de tudo, ter sensibilidade e interesse por pessoas e facilidade de cultivar relacionamentos. Isso por que, para preencher posições de alta liderança nas organizações, as consultorias precisam- até por exigência dos próprios clientes- de quem seja capaz de conversar sobre negócios com um presidente de empresa de igual para igual. Identificada a vocação, as técnicas de entrevista são ensinadas dentro de casa.

No passado, essa carreira era dominada por executivos em fase de aposentadoria que, por sua vasta experiência e rede de contatos, acabavam atuando com seleção de gestores de alto nível em sua área de negócios. Na última década, com o aumento da competitividade das empresas e a valorização das lideranças na condução dos negócios, o perfil dos "caçadores de talentos" também mudou. Os aposentados e aqueles que entravam na profissão por hobbie deram lugar a jovens profissionais, na faixa entre 30 e 40 anos, que invertem o rumo de sua carreira quando ela ainda está em pleno vapor. A maior parte ainda é impulsionada pelo convite de um headhunter, mas as consultorias também começaram a ser procuradas por gente qualificada com interesse em trabalhar na atividade. Os salários são de fato convidativos: podem variar de R$ 200 mil a mais de R$ 2 milhões por ano dependendo do desempenho da empresa.

"O que está ocorrendo atualmente em ´search´ é muito semelhante ao que se deu nas consultorias de gestão há alguns anos. Antes, buscavam-se apenas pessoas seniores para atuar no meio. Agora é uma carreira mais clara e com jovens potenciais entrando", diz Darcio Crespi, presidente da Heidrick & Struggles.

Essa mudança se deve também pelo bom momento em que vive o setor no país, altamente demandado para cobrir a falta de talentos no mercado. A Fesa Global Recruiters, por exemplo, espera crescer 80% só este ano e precisou ampliar a equipe. Foi aí que a oportunidade de mudar de rumo apareceu para Ana Paula Montanha, de 34 anos, que assumiu no fim de abril o escritório da Fesa no Rio de Janeiro. Economista com pós-graduação em marketing e mestrado pela Universidade de Michigan, Ana Paula construiu sua carreira em planejamento estratégico, marketing e desenvolvimento de novos negócios. Durante uma entrevista para uma posição de diretor de negócios de um cliente do setor de mídia, o headhunter achou que ela era a "cara da empresa" e a convidou para tocar a filial do Rio. Apesar da surpresa, ela topou o desafio. "Eu me via bem na posição de consultora. E, como entendo a estratégia das organizações, posso ajudá-las a melhor identificar as competências e o perfil do profissional que elas precisam", acredita Ana Paula.

Apesar do crescente espaço para headhunters mais jovens, ainda existe uma lacuna nas consultorias entre o perfil dos sócios (que geralmente vêm de fora) e os profissionais formados internamente. Estes costumam ser contratados como estagiários para trabalhar em pesquisa e, com a experiência, galgam novas posições -no setor, há quatro níveis de carreira: pesquisadores, associados, consultores e sócios. Porém apenas 10% a 15% dos estagiários chegam a sócios, justamente pela falta de experiência em cargos de gestão em outras empresas, característica exigida para quem atende diretamente aos clientes. "Mas esse cenário está começando a mudar. As consultorias estão contratando estagiários com muito potencial, muito bem formados", diz Crespi, da Heidrick.

A advogada Danute Gardziulis é um exemplo de quem começou de baixo nessa carreira e encontrou seu espaço no mercado. Começou como estagiária na área de pesquisa da Spencer Stuart. Em um ano tornou-se associada e começou a se envolver no processo de recrutamento. Depois de oito anos na Spencer, reforçados por uma pós-graduação em negócios e muita leitura, Danute decidiu empreender dentro do próprio ramo. Montou com uma sócia a GNext, especializada em recrutar gerentes com alto potencial. Sua falta de experiência em gestão foi compensada pela prática intensiva. "Depois de entrevistar dezenas de pessoas especializadas em uma atividade, no final você já começa a criar referenciais sólidos sobre o assunto", afirma ela.

O presidente da Michael Page, Paulo Pontes, concorda: "Quando você passa a fazer uma única coisa na vida, entrevista 400 a 500 pessoas por ano, você não precisa ter feito ´turnaround´ para saber quem faz isso bem", diz ele. "É base de comparação. Basta ser ser inteligente e ter sensibilidade."

O importante, alertam os mais experientes, é abraçar a causa por vocação, e não por dinheiro ou glamour. "O ´search´ não é uma ciência exata. A análise inicial é baseada em dados e fatos concretos. Mas, no fundo, a decisão final é tomada no ´feeling´. E não é todo mundo que tem esse potencial", garante Robert Wong, um dos mais antigos headhunters do país. Depois de ficar fora desse mercado por pouco mais de um ano, em 2008 ele decidiu retornar- "a pedidos" - com sua própria "boutique".