Título: Incentivo do PAC eleva custos no saneamento
Autor: Maia , Samantha
Fonte: Valor Econômico, 05/08/2008, Brasil, p. A3

Uma distorção no sistema de cobrança do PIS/Cofins está fazendo com que o Reidi, programa de incentivo a projetos de infra-estrutura do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), tenha efeitos diferenciados para os diversos segmentos envolvidos e chegue até a ser desvantajoso em alguns casos. Para projetos rodoviários, o Reidi, que garante a compra de ativos livre do recolhimento de PIS/Cofins, é francamente vantajoso, porque reduz em 3,65% o custo nessas aquisições. Para o segmento de energia elétrica, o Reidi tende a não garantir redução de carga efetiva, mas melhora o fluxo de caixa. Para o saneamento, o programa de incentivo é considerado desvantajoso, porque as empresas acabarão pagando mais PIS e Cofins.

A diferença acontece porque coexistem dois sistemas diferentes de recolhimento do PIS e Cofins. Há os setores do regime cumulativo, que pagam 3,65% pelas duas contribuições, mas não podem usar o crédito do PIS/Cofins pago nos insumos e ativos adquiridos. Outros segmentos recolhem pelo sistema não-cumulativo. Pagam 9,25% com as duas contribuições, mas podem usar créditos calculados à mesma alíquota de 9,25% sobre as aquisições de insumos e ativos. O cálculo do crédito de 9,25% não depende do pagamento efetivo dos 9,25% pelo insumo ou ativo. Ou seja, o crédito nesse percentual é garantido mesmo que o seu fornecedor, por estar no sistema cumulativo, tenha embutido no preço somente os 3,65% de PIS/Cofins.

Hoje, o setor de construção civil, importante fornecedor em projetos de infra-estrutura, está no sistema cumulativo e paga 3,65% de PIS/Cofins. O segmento de saneamento, porém, paga 9,25% não-cumulativos. Como os dois setores estão em regimes distintos no pagamento das contribuições, as empresas de saneamento pagam 3,65% nas aquisições do setor de construção, mas se creditam de 9,25% nessas compras. Ou seja, ganham com uma diferença de 5,6%.

Nos projetos dentro do Reidi, as companhias de saneamento ficarão livres dos 3,65% pagos na compra dos itens de construção, mas deixarão de ter o crédito de 9,25%, perdendo essa vantagem. A Associação das Empresas de Saneamento Básico Estaduais (Aesbe) calcula que isso resulta em uma carga tributária extra de 2,79% nos projetos feitos com o incentivo do Reidi. A estimativa levou em consideração a perda efetiva dos créditos a valor presente e os empreendimentos nos quais o setor de construção representa 70% do total investido. Essa seria a participação média dos itens de construção dentro das obras de saneamento.

"Realizamos uma reunião no dia 10 de julho e decidimos recomendar às associadas a não-adesão ao Reidi", diz Walder Suriani, superintendente-executivo da Aesbe. A entidade protocolou a reclamação no Ministério das Cidades há duas semanas, mas até o momento não obteve resposta. Segundo Suriani, o documento será encaminhado também ao Ministério da Fazenda. O setor pede para retornar ao regime cumulativo ou ter a desoneração completa de PIS/Cofins.

A Receita Federal admite a distorção, mas não considera que seja um problema do PAC. "Essa desvantagem acontece porque a tributação é feita de duas formas, mas não dá para abrir exceções porque o Reidi foi elaborado para investimentos em infra-estrutura em geral", diz Carlos Alberto Barreto, secretário-adjunto da Receita.

Para Barreto, cabe às empresas definirem quando o Reidi é interessante, e quando o melhor é continuar no regime atual. Segundo ele, se as companhias de saneamento pegam crédito de 9,25% pagando 3,65% na compra dos materiais de construção, essa já é uma situação vantajosa, e por isso não faz sentido dizer que o setor foi excluído do benefício fiscal. "São dois favores fiscais, as empresas só vão suspender se acharem que o Reidi é melhor."

"Trata-se de uma distorção que deverá acontecer toda vez em que houver diferença de alíquotas de PIS/Cofins entre o fornecedor e o investidor de infra-estrutura", diz o advogado Jorge Henrique Zaninetti, do TozziniFreire.

Para a advogada Michelle Pinterich, do Peregrino Neto & Beltrami Advogados, a solução para o impasse das empresas que estão no regime de não-cumulatividade seria eliminar a vedação ao desconto de créditos, ou criar um crédito presumido de PIS e Cofins, no mesmo valor das contribuições suspensas. "Tais alterações garantiriam o benefício do Reidi, tornando-o mais atraente para o fim a que se destinou: a implementação das obras de infra-estrutura no âmbito do PAC", diz ela.

Assim como as companhias de saneamento, as empresas de energia estão enquadradas no regime não-cumulativo, mas por lidarem com projetos cujas obras duram longos períodos, acima de sete anos, elas têm chegado à conclusão que aderir ao Reidi traz o ganho no fluxo de caixa. Apesar de abrirem mão do crédito maior que a desoneração, as empresas avaliam que vale a pena porque esse crédito só pode começar a ser resgatado após o início da operação, e sem correção.

"Como a obra demora muito e os créditos não são corrigidos, há perda financeira, então é melhor gastar menos agora, mesmo que a empresa abra mão de um pedaço do crédito", diz Plínio Aguiar de Souza Filho, diretor da construtora Cowan, que atua em saneamento, rodovias e energia. Mesmo assim, segundo o executivo, as empresas precisam fazer muitas contas para terem certeza do benefício.

A situação é bem mais tranqüila para os projetos onde a compra de itens de construção é menos representativa. José Francisco Pereira Braga, vice-presidente da Associação Brasileira de Grandes Empresas de Transmissão de Energia Elétrica (Abrate), explica que o cálculo do setor de saneamento faz sentido, mas não traz impacto para os projetos de transmissão, onde o material de construção fica limitado a 10% dos investimentos. "Nosso grande dispêndio é com equipamentos, principalmente o transformador, que consome entre 50% e 60% do valor total do projeto", diz Braga, que também é presidente da Companhia Estadual de Energia Elétrica (CEEE). A empresa tem quatro projetos de transmissão já habilitados no Reidi.

As concessionárias de rodovias, por sua vez, não terão dúvidas para aderir ao Reidi. Para elas, o incentivo é claramente vantajoso porque, assim como o setor de construção civil, pagam PIS/Cofins a 3,65%, pelo regime cumulativo. Sem o Reidi, as concessionárias pagam 9,25% em determinadas aquisições, como máquinas e equipamentos, mas como estão no sistema não-cumulativo, não tomam crédito sobre o PIS/Cofins da aquisição. E recolhem 3,65% sobre o faturamento. Dentro do Reidi, elas deixarão de pagar os 9,25% nessas compras e estarão sujeitas apenas aos 3,65% calculados sobre a receita.

Os impactos, lembram os tributaristas, não dependem apenas do setor, mas da obra. Dentro do setor elétrico, por exemplo, a construção de Pequenas Centrais Hidrelétricas (PCH) é um exemplo de projeto no qual o Reidi pode ser tão vantajoso quanto para as concessionárias de estradas, com um benefício fiscal muito além do mero fluxo de caixa. Muitas empresas desse segmento têm receita total de até R$ 48 milhões anuais, o que lhes permite optar pelo regime de lucro presumido para pagamento do IR. Quem está no lucro presumido paga PIS/Cofins pelo cálculo cumulativo. Ou seja, essas empresas também terão como grande vantagem a suspensão dos 9,25% na aquisição de equipamentos.