Título: Quem tem medo das leis anticorrupção?
Autor: Franco , Isabel C.
Fonte: Valor Econômico, 05/08/2008, Legislação & Tributos, p. E2

Recentemente realizamos em nosso escritório um seminário sobre as leis de combate à corrupção. A resposta ao convite nos surpreendeu com mais de duas centenas de confirmações. Explica-se esse fenômeno com a preocupação cada vez mais constante com as conseqüências da prática da corrupção nas empresas. As manchetes sobre investigações dessas práticas nos negócios espalham-se pelo mundo - certas empresas têm visto sua reputação se estraçalhar, o valor de suas ações despencar, e, mais e mais, algemarem-se seus executivos.

Se não para se instruir sobre como se defender contra os riscos das penas e dos potenciais prejuízos, as corporações querem entender e aprender como podem combater a praga da corrupção. Os números dessa maldição assustam. O Banco Mundial (Bird) estima que mais de US$ 1 trilhão seja gasto ao ano em propinas e considera a corrupção como o maior obstáculo ao crescimento econômico e social de qualquer nação. Só no Brasil, em 2007, avalia-se que foram perdidos cerca de R$ 1,5 bilhão em prejuízos indiretos causados por esse mal.

A criminalização da corrupção há muito é prevista em leis, tanto no exterior como no Brasil. Embora o mundo todo já esteja muito bem equipado com diplomas legais para punir essa prática, só recentemente é que se vê a aplicação dessas leis com rigor. O número de processos nos Estados Unidos, por exemplo, mais que dobrou de 2006 para 2007 e já quebra recordes no início de 2008. A Alemanha, país que até dez anos atrás permitia a dedutibilidade de pagamentos de propinas em outros países, está punindo exemplarmente uma das suas mais emblemáticas empresas - a Siemens.

Torna-se, assim, vital compreender-se a legislação de combate à corrupção. Comecemos pela pioneira lei dos Estados Unidos, conhecida como FCPA - "Foreign Corrupt Practice Act" -, promulgada nos longínquos idos de 1977, no esteio do escândalo de Watergate. A FCPA criou sanções penais e cíveis para empregados, administradores e representantes de empresas que pratiquem atos de corrupção no estrangeiro, quer realizados diretamente pelas matrizes das empresas americanas ou por suas subsidiárias em qualquer país.

Aqui no Brasil verifica-se uma repugnância imediata à FCPA, sob o argumento de que lei estrangeira não pode se aplicar em nosso território. A questão não é teórica, mas de ordem prática. As subsidiárias de multinacionais americanas estão sujeitas à FCPA tanto quanto suas matrizes e, por essa razão, as filiais se comportam aqui no nosso país, ou em qualquer parte do mundo, como se a lei aqui se aplicasse. Assim, sob a FCPA, uma empresa não pode dar, oferecer, prometer ou autorizar que se dê qualquer coisa de valor a uma autoridade estrangeira, quer diretamente ou por meio de intermediário, tal como um agente, procurador ou advogado, a fim de influenciar a ação do funcionário para obter vantagens impróprias. Essa proibição, na prática, visa a impedir que se dê não apenas dinheiro, mas qualquer coisa de valor, como presentes, viagens, refeições ou entretenimento, doações, patrocínios, ofertas de emprego e outras vantagens que possam beneficiar o funcionário governamental ou membros de sua família.

-------------------------------------------------------------------------------- As empresas se vêem cada vez mais atingidas pelas normas, e, se não passarem no exame, são preteridas nos negócios --------------------------------------------------------------------------------

O que faz com que a FCPA tenha um grande impacto na prática é que ela responsabiliza a empresa por atos praticados por terceiros que ajam em nome dela. E, na aplicação da FCPA, as autoridades americanas não admitem o argumento de defesa de que a empresa desconhecia a ação do terceiro. Assim, para se proteger contra o risco de corrupção praticada indiretamente, é imperativo que as empresas assegurem-se de que seus agentes com contato com autoridade estrangeira em nome da empresa cumpram as regras da FCPA. Para controlar esse risco, as empresas sujeitas à FCPA investigam as atividades e a reputação desses terceiros. Esse processo é conhecido como o "due diligence" de FCPA. Assim, os brasileiros são mais e mais, em nome da FCPA, literalmente investigados pelas subsidiárias das empresas americanas, cada vez que com elas contratam.

Contudo, hoje em dia não é mais somente a FCPA que obriga as empresas a ser manterem na linha. Após a edição da FCPA, em parte por pressão das empresas americanas que se viram acossadas pela concorrência de multinacionais não sujeitas à FCPA, seguiram-se importantes medidas internacionais anticorrupção, primordialmente na forma de convenções. Além de várias convenções, outros países, como o Canadá, por exemplo, já promulgaram leis muito semelhantes à FCPA. O Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional (FMI), por exemplo, criaram uma lista negra das empresas e governos suspeitos da prática de suborno para negar ajuda a países que toleram práticas de corrupção.

Entre as convenções mais importantes estão a Convenção Interamericana contra a Corrupção (CICC) e a Convenção da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE), ambas ratificadas pelo Brasil, que as internalizou no nosso próprio Código Penal. Assim, aqui no nosso solo já temos todo o aparato necessário para se coibir a corrupção no mundo corporativo.

Por tudo isso, as empresas brasileiras se vêem cada vez mais atingidas pelas normas anticorrupção, não importa de onde elas provenham: cada vez que contratam, ou se associam em joint ventures, ou se colocam à venda, são submetidas ao criterioso processo de due diligence. E, se não passarem no exame, são preteridas nos negócios em favor daquelas que se saem bem.

Portanto, não adianta ter receio das normas anticorrupção. Melhor se adequar a elas. O segredo é seguir a máxima de "não basta ser honesta, mas parecer honesta". Para isso, medidas adequadas vão da adoção de códigos de ética, com disposições especificas sobre combate à corrupção, até o treinamento de seus funcionários, providências típicas de quem se preocupa, sim, com o combate à corrupção e quer de vez relegar a infeliz e arcaica lei de Gérson à apagada memória de uma mal-aventurada campanha publicitária.

Isabel C. Franco é advogada especialista em legislação anticorrupção e programas de compliance e sócia do escritório Demarest e Almeida Advogados (com colaboração de Alexandria Nichols, da Faculdade Benjamin N. Cardozo School of Law, de Nova York)

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