Título: Construção cresce e leva capacidade instalada a recorde
Autor: Lamucci , Sergio
Fonte: Valor Econômico, 04/08/2008, Brasil, p. A3

Com o boom do mercado imobiliário e o aumento dos investimentos em infra-estrutura, a construção civil intensificou o ritmo de crescimento neste ano, podendo fechar 2008 com expansão na casa de 10% - o dobro dos 5% do ano passado. O forte avanço deve ajudar a garantir o terceiro ano seguido de alta do investimento acima de dois dígitos, mas tem levado o nível de utilização de capacidade instalada (Nuci) a números recordes. Com isso, aumentam os riscos de pressões inflacionárias, decorrentes de descompassos entre a oferta e a demanda. Nos 12 meses até julho, o Índice Nacional do Custo da Construção de Mercado (INCC-M) subiu 10,01%, com variação de 10,96% de materiais e serviços e 8,95% de mão-de-obra.

O desempenho do segmento neste ano é impressionante. De janeiro a junho, a produção de insumos típicos para a construção civil cresceu 9,9% em relação ao primeiro semestre de 2007. No mesmo período, o faturamento da indústria de materiais de construção cresceu 28,2%, segundo números da associação do setor (Abramat).

Para a economista Ana Maria Castelo, da GV Consult, o setor deve crescer 10% neste ano, mesmo com a alta de juros. Ela vê um cenário muito positivo para a construção residencial, lembrando que muitos empreendimentos lançados no ano passado e neste ano vão garantir a execução de um volume significativo de obras por alguns trimestres. "Esse quadro poderia mudar se houvesse uma alteração acentuada nas condições de crédito, mas não é o que se espera." O volume de empréstimos imobiliários com recursos da poupança atingiu R$ 9,74 bilhões de janeiro a maio, 75,9% a mais que no mesmo período de 2007, de acordo com a Associação Brasileira de Crédito Imobiliário e Poupança (Abecip). Ana Maria acredita que os financiamentos por prazos de até 30 anos, com taxas baixas para padrões brasileiros, não vão sofrer grandes mudanças, embora as condições não devam melhorar mais.

O economista-chefe da LCA Consultores, Bráulio Borges, destaca o bom momento do investimento em infra-estrutura. Ele chama a atenção para as inversões privadas, ressaltando os números do BNDES para o segmento. Os desembolsos do banco para infra-estrutura e construção atingiram R$ 35,9 bilhões nos 12 meses encerrados em maio, após ficar em R$ 18 bilhões em 2006 e em R$ 28,5 bilhões em 2007. As aprovações de projetos também subiram bastante: de R$ 25,8 bilhões, em 2006, para R$ 49,4 bilhões em 2006 e R$ 51,6 bilhões nos 12 meses até maio.

"O investimento em infra-estrutura tende a ser relativamente autônomo ao ciclo atual de aperto monetário." Como o horizonte desse tipo de inversão é longo, a perspectiva de desaceleração da economia na segunda metade de 2008 e em 2009 não deve afetá-lo de modo relevante. Borges diz que o investimento público tem aumentado, ainda que a um ritmo um pouco aquém do esperado.

Ana Maria lembra que os municípios aumentam gastos em ano eleitoral, além de observar que os investimentos das estatais no primeiro semestre, de R$ 20,1 bilhões, foram os mais elevados em dez anos, segundo a ONG Contas Abertas. Um número que mostra a robustez da infra-estrutura é o crescimento do emprego no segmento, diz ela. No primeiro semestre, houve avanço de 19% sobre o mesmo período de 2007, mais que os 16,4% do setor imobiliário.

O presidente da Abramat, Melvyn Fox, já revisou duas vezes neste ano as estimativas de expansão do faturamento das empresas de material de construção para 2008. No fim de 2007, ele apostava em alta de 12%, percentual que subiu para 15% depois dos resultados do primeiro trimestre. Quando saíram os números do primeiro semestre, com expansão de 28,2%, ele elevou a projeção para 18%. De julho a dezembro, o aumento deve ser mais fraco do que de janeiro a junho, por causa da base mais forte de comparação, avalia Fox.

Com uma expansão tão forte, o nível de utilização de capacidade instalada do segmento de material de construção cresceu com força. Segundo números da Fundação Getúlio Vargas (FGV), o Nuci atingiu 89,7% em julho, na série com ajuste sazonal, o nível mais alto desde o começo da série, em 1998. Num cenário de demanda forte e aumento de custos, aumentam os riscos de pressão sobre os preços.

Para Borges, o setor de material de construção é o que tem a maior probabilidade de ocorrência de gargalos. A capacidade instalada está muito elevada e há pouquíssimo espaço para a demanda ser atendida pelas importações, por se tratar de de um setor "tipicamente não-comercializável internacionalmente", diz ele. "Há potencial de descompasso entre oferta e demanda na construção." Para Borges, a alta mais forte do INCC já tem alguma influência dessa questão. Em São Paulo, o reajuste para os trabalhadores da construção, concedido em maio, foi de significativos 8,51%.

Fox mostra-se menos preocupado do que Borges. Para ele, os aumentos de preços na construção se devem aos fortes aumentos de custos, e não à demanda aquecida. "A construção não é a maior responsável pela alta da inflação", diz ele, notando que o aumento de 10,01% do INCC-M nos 12 meses até julho foi menor do que a evolução dos preços no atacado, de 19,39%. O Custo Unitário Básico (CUB) da construção em São Paulo, por sua vez, teve desaceleração em julho. O indicador subiu 0,6%, depois de alta de 2,14% em junho. Fox ressalta ainda que as empresas do setor têm investido com força e que uma parcela bastante expressiva delas pretende continuar a fazê-lo daqui para frente. Segundo pesquisa realizada pela Abramat, 55% das empresas ouvidas planejam inversões relevantes nos próximos 12 meses.

O presidente do Sindicato da Indústria da Construção Civil de São Paulo (Sinduscon-SP), João Cláudio Robusti, também não vê uma situação preocupante em termos de oferta. Pode haver problemas pontuais, mas nada sistemático, acredita ele. "Com planejamento, é possível trabalhar sem grandes dificuldades." Robusti diz que a falta de engenheiros tem sido em parte resolvida com a contratação de aposentados e até mesmo com a "importação" de profissionais de outros países. Ele se diz otimista quanto às perspectivas para o setor neste ano, mas diz que o aumento da inflação e a alta dos juros já provocam alguma cautela no segmento, tanto por parte de incorporadoras e construtoras como por parte dos consumidores. Ainda assim, acredita em alta de 10% para a construção em 2008.

Já Borges projeta expansão de 6,5% a 7%. Ele acha que o número pode até ser um pouco maior, mas acredita que o avanço no segundo semestre será menor que no primeiro. A base de comparação é mais alta e os juros devem produzir algum impacto sobre a atividade mais perto do fim do ano, diz.