Título: Constituição ainda é o maior fator da crise na Bolívia, diz ex-presidente
Autor: Agostine , Cristiane
Fonte: Valor Econômico, 04/08/2008, Internacional, p. A8

O cenário de instabilidade política continuará na Bolívia qualquer que seja o resultado do referendo a ser realizado pelo governo no próximo domingo, analisa o ex-presidente boliviano Carlos Mesa. A consulta popular para confirmar o mandato do presidente, Evo Morales, de seu vice e de governadores não resolverá a questão de fundo da crise social do país: o debate sobre a Constituição e a reeleição do presidente, no qual governo e oposição não conseguem um entendimento. A crise institucional já surte efeitos na economia e os investidores, sem saber quem comandará o país no próximo mês, evitam aplicar recursos na Bolívia.

No dia seguinte ao referendo, nada vai mudar na política boliviana, diz Mesa. Nem o presidente, nem a oposição sairão fortalecidos ou debilitados e as manifestações populares deverão continuar bloqueando ruas em todo o país. "O conflito é muito intenso e o referendo não vai resolver o essencial. O problema de fundo está na Constituição, que definirá se o presidente poderá ser reeleito ou não. A oposição quer bloquear a reeleição e para o presidente, é uma questão de vida ou morte. Esse é um tema que não vai estar melhor depois do referendo de 10 de agosto", afirma Mesa, que comandou a Bolívia entre 2003 e 2005.

Na Constituição proposta por Morales estão previstas a revogação do mandato e a reeleição presidencial imediata, por uma só vez. No debate realizado no ano passado, a oposição ficou de fora. A Carta ainda deve ser ratificada em um referendo, previsto para este ano.

Para o ex-presidente, que governou de 18 de outubro de 2003 até julho de 2005, quando renunciou por causa da crise política infindável do país, o conflito político só ficará mais ameno quando Morales e a oposição cederem em suas posições e negociarem um acordo.

"O presidente não entendeu algo fundamental, que é a construção de um pacto social. Um pacto social se traduz em uma nova Constituição. Como se aprova uma nova constituição? Com um projeto de maioria incluindo as propostas da minoria. O que o presidente fez foi uma construir uma proposta unilateral, sem escutar a minoria, impondo um projeto que não responde à totalidade das demandas do país", reclamou.

"Ou vamos negociar uma saída ou seguiremos agonizando a crise. Temos que reconstituir o pacto social, em que governo e oposição acreditem. O presidente tem de se abrir ao diálogo e as minorias oposicionistas devem aceitar negociar as propostas de Morales", afirma Mesa ao Valor. Na sexta-feira, ele participou de um debate sobre a crise institucional boliviana no encontro da Associação Brasileira de Ciência Política, em Campinas.

O ex-presidente acredita que a consulta popular que decidirá sobre a continuidade do governo deve manter Morales e seu vice, Álvaro Garcia Linera, no poder e que "dois ou três" governadores dos Departamentos (Estados) deverão ter seus mandatos revogados, dos oito que irão à consulta. A Bolívia tem nove Departamentos e seis são governados pela oposição. Ficará de fora da consulta popular o Departamento de Chuquisaca, pois a nova governadora foi eleita recentemente, não nas eleições de 2005. Se Morales perder, ele tem de convocar imediatamente novas eleições, que podem ocorrer entre 90 e 180 dias após o resultado.

Soma-se à crise política a pressão de Departamentos por autonomia. No primeiro semestre, Santa Cruz, Tarija, Beni e Pando, Departamentos produtores de gás e celeiros da Bolívia, aprovaram em referendo maiores autonomias, combatidas por Morales.

Crítico a Morales, Mesa diz esperar que o presidente mude da atitude "excludente, radical, unilateral" e abra espaço para o debate. "A primeira responsabilidade de diálogo é do presidente. A oposição também precisa mudar sua lógica de destruir o presidente."