Título: Não existe benefício sem custo correspondente
Autor: Casarin , Marcos Felipe
Fonte: Valor Econômico, 04/08/2008, Opinião, p. A10

Em artigo publicado em 07/06/08 ("O Globo"), o Prêmio Nobel Joseph Stiglitz afirma (com razão) que é necessário reconhecermos que o problema da inflação elevada pode causar enorme estresse, sobretudo para as famílias de baixa renda. Em seguida, o autor coloca que grande parte da inflação observada atualmente nos países que adotaram o regime de metas para a inflação - dentre os quais, muitas nações em desenvolvimento - "é, na maior parte, importada". Os vilões apontados seriam os preços internacionais de alimentos e energia que, além de estarem em suas máximas históricas, pesam mais no orçamento doméstico dos emergentes do que nos países ricos.

Não é a intenção deste artigo diagnosticar as causas da atual aceleração da inflação mundial, muito menos tentar inferir o tamanho do componente importado da nossa taxa de inflação. O intuito é apenas contribuir para a discussão sobre como a autoridade monetária, em especial a brasileira, deveria lidar com este problema de modo a minimizar o custo (deste ajuste) para a sociedade.

Voltando à questão do perigo da inflação importada, Stiglitz afirma que "enquanto os países em desenvolvimento permaneceram integrados à economia global - e não tomarem medidas para restringir o impacto interno dos preços internacionais - o preço interno do arroz e de outros grãos deverá subir acompanhando os preços internacionais". Para aqueles que não se recordam, a China, que hoje é tida como exportadora de inflação, é a mesma que foi responsável por derrubar a nível internacional os preços de bens de consumo como TVs, DVDs e computadores. E esta mudança de patamar possibilitou, entre outros benefícios, a penetração do ativo informação nos estratos mais pobres da população mundial, contribuindo inclusive para ganhos de aprendizado e qualidade de vida dentro dos domicílios.

A adoção de um regime de metas para a inflação propõe que o objetivo da política monetária é trazer a inflação para dentro das metas estabelecidas, minimizando a excessiva volatilidade do produto em torno do seu nível potencial. O instrumento amplamente escolhido para "calibrar" o nível de atividade é o controle da taxa de juros de curtíssimo prazo (no Brasil, taxa Selic). Sendo assim, toda vez que o produto se desviar muito do seu potencial - ou, lido de outra forma, sempre que a oferta não for capaz de se expandir na mesma velocidade que a demanda -, os bancos centrais devem aumentar a taxa de juros para conter o consumo e assim inibir novos reajustes de preço.

-------------------------------------------------------------------------------- Debelar a inflação passa necessariamente por desacelerar a economia e cabe à população ter consciência disso --------------------------------------------------------------------------------

Mas e quando a causa da inflação não é o excesso de demanda? O maior desafio dos policymakers da atualidade é justamente esse: como reagir diante de choques de oferta? No Brasil, assim como em diversos outros países, esta discussão é repleta de controvérsias. A cada dia mais, artigos com títulos como "A falência das metas de inflação" (de Stiglitz) têm surgido como reações recorrentes aos processos de aperto monetário iniciados em meio a choques de preços internacionais. Afinal, todos querem inflação baixa (sobretudo as famílias de baixa renda). Mas ninguém quer perder o emprego. A frase é forte, mas tem background teórico: a chamada Curva de Phillips, uma equação empírica que estabelece uma relação inversa entre o nível de inflação e a taxa de desemprego. Atualmente, as estimativas de Curvas de Phillips englobam outros fatores que também contribuem para o movimento dos preços domésticos, tais como expectativas inflacionárias, inércia e repasses cambiais.

Reclamar também faz parte. As críticas da Fiesp aos juros altos, por exemplo, já não surpreendem mais aqueles que lêem os jornais nas manhãs seguintes às reuniões do Copom. Afinal, se um dos objetivos do BC ao elevar juros é justamente inibir o consumo das famílias para que elas repensem a decisão de poupar versus gastar, faz todo o sentido a reclamação dos empresários do maior parque industrial do país. Quando as famílias consomem menos, parece que todos saem perdendo. Desde a vendedora que foi contratada às pressas em época de Natal e que, com a desaceleração das vendas, provavelmente perderá seu posto de trabalho, até a passadeira que será substituída pela dona de casa, de volta aos afazeres domésticos. São exemplos simplistas, mas que ilustram o funcionamento de um dos canais pelo qual a política monetária atua. Estes exemplos foram colocados justamente para mostrar o quanto é difícil e extremamente impopular tomar a decisão de iniciar um processo anti-inflacionário.

Os benefícios da manutenção do poder de compra da nossa moeda - e, conseqüentemente, dos nossos salários - têm um custo implícito (em termos de emprego), que é colocado nas mãos da autoridade monetária e que poucos têm conhecimento. Cabe à população ter consciência de que este trade-off entre inflação e desemprego é algo inevitável, já que debelar um processo inflacionário (no Brasil ou em qualquer outro país do mundo) passa necessariamente por desacelerar a economia no curto prazo. Sabe-se, inclusive, que para tratar de males conjunturais não é recomendado fazer mudanças estruturais. Portanto, a saída para o controle da inflação doméstica em um ambiente que combina, de um lado, inflação global - sobre a qual a política monetária nacional exerce pouco efeito -, e de outro, demanda interna crescendo mais do que o produto, pode estar bem mais próxima do simples dever de casa de um banco central do que de "medidas para restringir o impacto interno dos preços internacionais", como sugerido por Stiglitz. Isto vale, pois deixar de combater a inflação hoje significa combater uma inflação maior no futuro, implicando em custos sociais maiores.

Desta forma, se quisermos reduzir o patamar da nossa taxa de inflação em um ou dois pontos percentuais, é intuitivo prever que, com a elevação dos juros, determinados mercados de bens e serviços encontrarão um ambiente menos propício a reajustar preços e salários. Com isso, inibe-se um eventual contágio da chamada inflação importada para as demais atividades econômicas do país, evitando que uma mera mudança de preços relativos se transforme em combustível para mais inflação no período seguinte.

À primeira vista não parece uma alternativa muito popular. E de fato não é. Populismo e política monetária caminham em sentidos opostos e assim devem permanecer. A escolha pela manutenção de um crescimento a taxas elevadas às custas de menor controle com a inflação provoca danos silenciosos e inversamente proporcionais ao nível de renda de cada indivíduo. E são escolhas deste tipo que não nos deixam dúvidas de que, quando se trata de política econômica, não existe benefício sem custo.